A convite da Fundação José Saramago esteve na Casa do Alentejo, em Lisboa, o juiz Baltazar Garzòn. Descreveu prolongadamente o seu envolvimento no caso Pinochet como referência dos crimes contra a humanidade, os quais não podem prescrever nunca; e no reconhecimento de uma lei anti-crime internacional ao abrigo da qual se fundamentou pela primeira vez no ocidente a detenção de um facínora político; no entanto o processo foi tão lento, e tão burocraticamente protegido pelo conivente governo britânico, que o criminoso ditador acabaria por morrer tranquilamente numa caminha no doce reduto do lar.
O juiz Garzòn demora-se em detalhes sobre a sua visita à Argentina, no caso similar da ditadura dos coronéis de Videla, onde os familiares dos desaparecidos se manifestaram durante anos pela praça de Maio em Buenos Aires – às tantas chamavam-lhe em vez de mães, “as loucas da praça de Maio”. Pensa que se pode fazer a recuperação dos crimes para julgamento em justiça e visita a Escola Militar e outros quartéis que serviram de locais de tortura por todo o país.
É certo, como frisou, que "não podemos viver sempre de olhos postos no passado, é preciso olhar o futuro" (julgar os mortos para branquear e abrir caminho aos vivos, e quando estivermos todos mortos far-se-á então justiça): os interesses económicos nacionais e de empresas privadas multinacionais não se poderiam sobrepor aos Direitos Universais, porém sobrepôem-se - a miséria tem responsáveis directos, porém ninguém é indiciado. Sem dúvida, a existência de mil milhões de pessoas no mundo em situação de pobreza extrema é um crime de genocídio para cuja solução não basta recitar o texto dos Direitos Humanos.
Há o caso dos vôos da CIA ao abrigo da ilegalidade de uma “lei preventiva” que cria um vazio jurídico a partir do qual se podem cometer toda a espécie de arbitrariedades, da libertação dos 257 presos políticos de Guantanamo e do difícil caminho que agora se inicia no encalço dos autores de crimes de guerra – existem pedidos de investigação judiciais a decorrer - sim, há culpados por crimes de genocídio contra a humanidade, mormente no Iraque, situação que se pretende perpetuar no Afeganistão com a transicção e reposicionamento da administração Obama.
Baltazar Garzòn fala da Lei de Memória Histórica criada em Espanha, criticada à direita e à esquerda. Disse que é preciso honrar a memória das vitimas e ressarcir materialmente os sobreviventes - o Estado deve homenagens a Garcia Lorca e aos dois milhões de pessoas que Francisco Franco assassinou – é preciso fazer mais que expurgar os espaços públicos de meras tabuletas de referência ao fascismo. Embora a memória da relações de amizade entre os regimes de Salazar e Franco esteja bem presente,
, longe de tudo isto estamos nós portugueses. A herança fascista tem chegado sempre com êxito aos mais altos cargos de Estado e por fim até temos como corolário um presidente da república que se aconselha com quem comete ilegalidades financeiras. A páginas tantas, temos também Marcelo Rebelo de Sousa, um bem falante interlocutor cuja família politica transitou directamente do criminoso regime anterior de Marcelo Caetano (sim, existiam presos políticos e houve vítimas) que agora se camaleonizou no mais importante comentador político a cargo da televisão do Estado.
O homem, um derrotado que nunca ganhou qualquer cargo por mérito político próprio, perfila-se a tenças do marketing televisivo (de quem aparece a cara no pequeno écran é trigo limpo), como próximo candidato presidencial e ninguém sequer acha nada de anormal na hipótese.
Pelo contrário, na irresponsável e doce pasmaceira nacional, e porque o figurão aniversariou, até o elogiam com duas páginas inteirinhas de um jornal de referência. Chegámos ao deserto
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