"nunca a chefe ou contra-chefe dei graxa
ou perante eles me mostrei sabujo"
ou perante eles me mostrei sabujo"
"Detesto ser chefe, mas faz quase trinta anos que arrasto essa cruz (...) e porque nunca recusei ser chefe?. Boa pergunta. Porque sempre temi que um incompetente qualquer, quiçá arrogante (um defeito por norma atrai o outro) exercesse poder sobre mim. E mais ainda que sobre mim, sobre o que eu escrevia. Digamos, portanto, que há décadas que me sacrifico a ser chefe em defesa da minha escrita e, através dela, da minha liberdade. Pior que exercer o poder é ter de suportar o dos outros - acho eu, bicho libertário"
"Ser da UDP não era o mesmo que ser dos partidos com vocação de poder (e de distribuição de tachos, que, antes do mais, é para o que eles hoje servem); a UDP, coitada, não servia para tal e quando dela saí não disse a ninguém, evitando o habitual cerco de que são alvo todos os convertidos (...) eu não era um convertido por isso fiz questão de declarar: "não saí da UDP, a UDP é que saíu de mim". Apesar disto, ainda me acenaram com uma ida para o PCP, o que recusei, e com duas para o PS, a que respondi com um "não me insultes" peremptório. E assim tem sido. De extrema esquerda sem partido, queimado à direita e olhado de lado pela esquerda "responsável" e agora até pela light do BE (...) Não sou um arrependido, um convertido, ou um cristão novo. Sou um escriba velho, um marxista velho e faço parte da esquerda velha. Por isso sou pela missa em latim, rejeito o novo Acordo ortográfico, creio na luta de classes e no punho erguido, estremeço quando vejo uma bandeira vermelha com a foice e o martelo, e hei-de ir para a cova com a cagança de jamais ter votado PS (não esqueçam deste último pormenor, daqui a uns tempos, no meu elogio fúnebre")
Quantos livros tenho em casa? não sei, talvez milhares. Desde que estou no JL recebo-os aos montes (a maior parte é lixo - como é que se edita tanto livro mau num país como este?) Não se pense que só o passado me importa, porque outra das minhas tentações é a Sociologia, em particular a urbana e toda aquela que com a História faz fronteira. Quero entender o mundo - é isso. O de hoje, o de ontem, o de sempre. E quero entender-me a mim. "Que sei eu?", "Quem sou eu?" - perguntava Montaigne, e é uma das minhas divisas. Mas há outra, bem mais inquietante. É o de José Luis Borges e reza assim: "Algures na minha biblioteca há um livro que nunca lerei". Na dele havia um, na minha - apesar de eu não parar de os comprar - há centenas, centenas de livros que nunca lerei. Uma vida não dá para nada (...)
Li quase todos os números da Bandeira Vermelha com o objectivo de publicar (onde? quando? como?) um livrito com o resultado das minhas pesquisas. Já ia adiantado na investigação quando um dia encontrei na rua o Abelaira a quem dei conta dos meus propósitos. Ele achou boa a ideia, mas disse-me: "Nunca vais conseguir publicar esse livro. Nenhuma editora arrisca" (...) Na altura eu ainda escrevia sobretudo para os outros, na esperança que a minha escrita pudesse ajudar a mudar o Mundo. Hoje sei que, escreva o que escrever, nenhuma força têm as minhas palavras contra a indomável corrente da mentalidade dominante. Escrevo o melhor que posso, sou quase maníaco na busca da inatingível perfeição, mas estou-me nas tintas para que me leiam ou não, e muitas vezes creio até que sou o único leitor de mim mesmo. Ao contrário do que se poderá pensar, isto é bom porque me obriga a uma grande exigência e faz de mim o mais implacável juiz de mim próprio. Claro que há uma certa melancolia no meu trabalho quotidiano (...) Que pode um texto meu, que me leva às vezes horas e horas de trabalho de oficina, contra um anúncio de televisão? De que vale dizer bem de um filme maravilhoso se aquilo que se impõe no gosto do público é a mediocridade?"
excertos de "Prova de Vida" autobiografia de Rodrigues da Silva publicada no Jornal de Letras
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1 comentário:
fui precedente de jose manuel rodrigues da silva, na unidade de infataria ao norte de mocambique. como poderei contactar seus familiares/filha?
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