Cada vez mais se torna penoso discernir algo sobre o pântano local; torna-se cada vez mais evidente que daqui, salvo as secularizadas migrações para governar a vidinha onde se possa, nada sairá de assinalável. É noutro lado que temos de procurar a chave para desvendar qual será o futuro do Portugal que primeiro levou a Europa a conquistar novos mundos…
Como se sabe, à imagem do que acontece por toda a Europa, a Esquerda parlamentar tem vindo a desaparecer, canibalizada pelos avatares que insistem em lhe usar o nome, mas estão completamente integrados na ideologia do duplo partido único neoconservador. No último sábado a Itália dedicou o dia a uma acção de protesto: o dia do Não a Berlusconi (No B-Day). Fartos da ininputabilidade do Mafioso que lidera o governo, 350 mil manifestantes, de forças que aqui se poderiam designar de “extrema-esquerda”, desfilaram em Roma entre a Praça da República e a catedral de São João de Latrão, em cujos jardins é tradição serem tratados os assuntos terrenos. Aos altos desígnios dos céus reza Berlusconi: “senhor, prescreve-nos a nós o nosso défice… fazei com que as nossas tropas ao serviço do Império não levem muitos tiros nos cornos”
O cineasta Ken Loach enviou um brinde através do l`Unitá: “esperemos que chegue a vez da oposição ao Bloco Central. Com efeito vivemos um momento alarmante (Berlusconi está há anos indiciado em crimes de corrupção mas as ligações mafiosas com o sistema de Justiça impedem que seja julgado); não se percebe se tudo isto se trata de uma comédia ou de uma tragédia. Inclino-me mais para a segunda”.
A tragédia, a que toda a Europa importa reflectir, é que a emergência do Fascismo não foi, não é, apenas um simples sistema de imposição de normas ditatoriais a partir de uma cúpula de iluminados. O Fascismo é construído pela concordância tácita das maiorias silenciosas (silenciadas pela brutalização da comunicação des-educadora) que esperam do Chefe a resolução dos seus desejos de vida imediatos, não interessa que actos possam ser cometidos em nome dessa aspiração. Era esta a razão que levou Gramsci a declarar o seu ódio aos indiferentes. Obviamente, o Chefe sabe isso – e usa todos os mecanismos de Poder para negar a pertinência da análise dos interesses assumidos pela acção da Esquerda, quando considera que tudo se joga ao nível das necessidades estratégicas na acção de dispositivos globais (a diplomacia imperial e as tropas na conquista de recursos) e não numa suposta força emancipadora fundada nas pulsões da natureza interior do homem.
Berlusconi, ou qualquer outro “Chefe” (lembremos que foi dele a iniciativa de "apadrinhar" o figurino Durão Barroso como gestor da Europa proto-fascista) sabe que esta dicotomia anula a contestação, que lhe permite erigir-se em ìcone supremo da re-moralização da vida colectiva. O que é mentira! De facto o que sustenta as relações sociais nas sociedade ocidentais chamadas modernas é o sistema de consumo que funciona como um catalizador das pulsões, intensifica os prazeres quotidianos e chega à deriva de acabar mesmo por impor mecanismos auto-repressivos. Em última instância, não temos legitimidade para desafiar o “Chefe”, coitado, que tanto se esforça por nos garantir um consumo revolucionário acima daquilo que produzimos, pilhando outros povos – uma coisa que vem tomando forma como sendo o potencial revolucionário neoconservador, ou seja, o Fascismo Global.
Ou, dito de outro modo, apoiado pela indiferença da maioria das massas, (quem não vota na ideia do Chefe é apelidado de “coglione” (um culhão que vota contra os interesses do próprio corpo a que pertence) assim o Poder constitui efectivamente o factor estruturante da realidade politica, sendo ele, de igual modo, o seu motor e o seu objectivo principal. Nada mais há para além disto.
Estávamos nesta ordem de cogitações quando o comício terminou e nos demos conta da invasão imediata da psico-tecnologia do Poder. Uma hora depois as televisões e a totalidade dos jornais (no dia seguinte) enchiam as parangonas com a sensacional noticia da prisão de mais 19 perigosos capos da Máfia. Entrevistas, directos, um suspiro indiferente do homem de rua: “pois, na esquerda são todos uns fala-barato, mas é isto que o povo adora em Silviuzzo: competência, resultados para a estabilidade social. De facto. 350 mil pessoas (se bem contadas seriam 500 mil) tinham desaparecido nesse mesmo dia do mapa informativo e os 19 mafiosos presos, a avaliar ela displicência da pose em algemas, não passam de meros figurantes fabricados pelo Governo. Como é evidente, a Máfia são eles. Estima-se que mais de 40 euros em cada 100 não sejam declarados ao fisco, a grossa fatia que representa o verdadeiro coração da corrupção, um negócio de Estado gerido por governantes privados insubstituíveis. Gaspare Spatuzza, um capo da mesma famiglia dos mafiosos agora detidos descreve (desde 1997) Berlusconi como “um dos nossos”, o que mereceu um editorial do “Libero” no dia 5; enquanto o espectáculo das detenções para papalvo ver continua… e a polémica do Chefe mafioso enche páginas e páginas de jornais
“Silviuzzo” é um anagrama, popularizado pelos Media corporativos, que junta o primeiro nome do Cavalieri (Silvio) com a palavra italiana “desenvolvimento” (Sviluppo). As manifestações dos seus partidários mais fanáticos mostram bem a ideologia revolucionária neo-fascista que arrebanha a grande massa de servos para escravos do sistema - de braço estendido gritam Berlusconi venceremos Duce! Duce! o carinhoso diminuitivo usado para saudar Mussolini:
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