Examinando historicamente o modo como o presidente Lincoln foi actor real dos acontecimentos que aboliram a escravidão nos Estados Unidos, este não pode ser comparado com o “Lincoln” da historieta contada no filme. Até os Óscares sempre atentos a epopeias mais empolgantes toparam a inutilidade.
Steven Spielberg concentra-se nas manobras políticas da elite branca em torno da 13 ª Emenda à Constituição dos EUA, que em Janeiro de 1865 decretou o fim da escravidão, menos de três meses antes do final da sangrenta Guerra Civil Americana. O argumento tenta ser uma parábola moderna sobre a virtude de compromisso. Com um olho sobre as divisões que afligem hoje a Washington de Obama, centra-se sobre as medidas legislativas, e as maquinações e intrigas de bastidores que determinaram formalmente o fim da escravidão. Esse sistema, bárbaro mas extremamente rentável, foi o centro da vida política e económica norte-americana por quase dois séculos e meio, com um legado profundamente enraizado que perdura até ao presente no racismo geo-social económico nos guetos dos EUA.
Daniel Day-Lewis dá-nos um Abraham Lincoln combinando o astuto com a imagem não afectada, simples e popular, comportamento pelo qual ficou conhecido o pathos profundo que marcou o seu mandato. Day-Lewis é brilhantemente apoiado por Sally Fields e Tommie Lee Jones nos papéis de Mary Todd Lincoln e do republicano radical Thaddeus Stevens. As filmagens com pouca luz, uma textura sépia e uma preciosa atenção aos detalhes, dá-nos uma ideia precisa dos ambientes iluminados a lâmpadas a gás usadas em meados do século XIX. Algumas cenas-chave podem ter um ar exagerado, mas Lincoln tecnicamente falando é um filme bem elaborado e convincente. Pior para nós.
O que Spielberg, dispondo dos meios excepcionais de Hollywood, não faz, é oferecer aos espectadores um retrato fidedigno das nuances de vida de Lincoln, que variam entre um advogado politico feito à estrada armado em revolucionário e o homem profundamente conservador que é obrigado a evoluir por força dos acontecimentos de uma convulsão social profunda entre esclavagistas e abolicionistas. Como árbitro este é o Lincoln, que disse: "Alego não ter os acontecimentos controlados, mas confesso claramente que são os acontecimentos que me têm controlado a mim". Mas esta situação escapa ao realizador e argumentistas do filme. Quando os exércitos do Norte entraram no Sul tornaram-se automaticamente em exércitos de libertação e emancipação. Quase 200.000 escravos fugiram então dos seus antigos senhores do Sul, alistando-se no exército nortista da União. Mas os espectadores não têm nenhuma indicação sobre o processo que levou Lincoln a adoptar medidas que ele mesmo tinha rejeitado à outrance apenas um par de anos antes. “Lincoln”, o filme, desvia-se neste ponto para uma limitação do âmbito da história quase que exclusivamente aos corredores do Poder em Washington.
A guerra marcou um momento revolucionário na história dos EUA, e essa dinâmica refletiu-se na polarização entre revolucionários burgueses agrupados em torno dos republicanos radicais de um lado e os burgueses defensores da escravidão entre os democratas por outro, mas a relação entre a alta politica ao longo dos últimos anos da guerra e unidade dos escravos desesperados e persistentes na prossecução da liberdade e a mudança a que isso obrigou na conduta militar da guerra, tudo isso, é deixado cair no corte-e-cose da mesa de montagem de Spielberg
Na época da guerra da Secessão norte americana, as classes dominantes na Europa faziam o seu melhor para ignorar o significado revolucionário do conflito, enquanto o próprio Lincoln estava apostado em reforçar as esperanças das forças nortistas para reconquistar a fidelidade dos empresários sulistas senhores de escravos. Karl Marx, um observador atento e perspicaz dos eventos descrevia como "a presente luta entre o Sul e o Norte… nada mais é que uma luta entre dois sistemas sociais radicalmente opostos (…) que apenas poderia terminar com a vitória de um sistema sobre o outro". Marx era um crítico ferrenho da relutância inicial e meias-medidas de Lincoln para lançar um ataque frontal à escravidão,
compartilhando a frustração dos abolicionistas com a "terna consideração para os interesses, preconceitos e sensibilidades da burguesia esclavagista" comparando essa politica com a coragem de atacar o ponto mais vulnerável do inimigo, que seria acabar de vez com a raiz da escravidão como mal-em-si. E não como uma mera transferência do sistema de exploração para relações de trabalho discriminatório assalariado tão ou mais escravizante que o anterior.
Em 1862 ao anunciar a “Proclamação de Emancipação” Lincoln assinalou não apenas a sua própria conversão ao abolicionismo, mas também a maior reviravolta da guerra. Marx exultou: "até agora, temos apenas assistido ao primeiro acto da guerra civil-constitucional (…) O segundo acto, a luta de classes pela emancipação revolucionária nesta guerra, está agora ao alcance da mão de todos, pretos e brancos, os homens escravizados" – Ora esta era de facto a última coisa que Lincoln pretenderia que acontecesse.
Lincoln foi um revolucionário provisório numa revolução que visava apenas consolidar a democracia burguesa face ao trabalho escravo que impedia o desenvolvimento e expansão das forças produtivas.
Ele foi obrigado pela força dos aconteci- mentos e contra as suas próprias convicções conserva- doras a deitar mão ao "raio de escravidão" para ganhar uma guerra desesperada que de outra forma não poderia ser vencida. À margem da morte de escravidão uma nova vida surgiu, encarnada por Marx na nova agitação em torno da jornada de trabalho de oito horas, mas (como sabemos agora) nos momentos decisivos, greves e outras duras e amargas lutas, os ex-escravos começaram a dar algum sentido à sua liberdade e a burguesia triunfante virou-se para enfrentar uma nova ameaça na forma de uma classe operária expectante e reivindicativa… O melhor do que sobreviveu da luta entre abolicionistas e radicais, encontrou o seu caminho no movimento dos trabalhadores pela emancipação na luta pela igualdade racial.
O "novo nascimento da liberdade" prometida por Lincoln em Gettysburgo foi o inicio da nova disputa pela maximização dos lucros. Mas essa é uma história sobre a qual Hollywood não parece disposta a permitir que os holofotes brilhem. Esta é a razão porque foi em directo de Washington que foi anunciado o melhor filme, o que trata das pseudo-heróicas cavalgadas de CIA. Afinal em termos de espectáculo Hollywwod e Washington são uma e a mesma coisa
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Uma simples mistificação dos economistas da escola neoliberal norte-americana, fazendo tábua rasa da distinção entre o Valor de Uso e o Valor de Troca das mercadorias de Karl Marx em “O Capital” moldou o mundo do pós-guerra tal e qual o conhecemos. Neste sentido, só o Presente é nosso, não o momento passado nem aquele que aguardamos, porque um está destruido, e do outro, se não lutarmos, não sabemos se existirá.
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3 comentários:
Mais uma bazófia americana.
Tanto este como o G. Washington, os américas chegaram à conclusão que nenhum dos dois é flor que se cheire.
Gostei de ver o entulho sionista, perto do final da película, em que o barbas e a mulher vão na charrete e ele diz algo como isto: "gostaria de ir visitar a terra santa, caminhar por Jerusalém... patati patata"... Spielberguisses de cordel. AH AH AH
Está aqui um trabalho onde é desmascarado o farsante:
A farsa sobre Abraham Lincoln, http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1532
E gostei de ver a bronzeadinha a fazer a entrega do tio ao outro embuste do Argo. Um embuste com honras de branca!
Arre... estamos feitos.
Grato pela valorosa postagem.O SISTEMA É PSICOPÁTICO, ESCRAVAGISTA, ALIENÍGENA, INUMANO, ANTROPOFÁGICO & CORRUPTO POR NATUREZA. SÃO DIABÓLICOS. O "resto" é "holly-wood". Nunca desliguemos nossos detectores de mentiras. Ninguém virá nos salvar...
A indústria do cinema norte-americano foi primeiramente fundada em New York, sendo depois transferida para a Califórnia, a terra do Ouro; o próprio sitio escolhido, "Hollywood", tem conotações sagradas: "Holly" (do azevinho cujas folhas e pequenos frutos vermelhos são usados desde eras pré-cristãs para enfeitar o natal) até "Wood" bosque de madeira - por onde se pode traduzir Hollywood por "floresta de mitologias sagradas". Mas a malta continua a consumir os subprodutos ali fabricados como se de História se tratasse... desde os 10 Mandamentos até à Lista de Schindler, etc
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