O ex-vice-diretor da CIA Jack Devine, em entrevista à TimeMagazine fala com a maior desfaçatez e cinismo da sua carreira de funcionário incumbido das maiores pulhices ao serviço da organização durante 32 anos. (10 Questions with Jack Devine)
01. Time - Você escreveu um livro, onde divulga boas caçadas. Não é suposto o trabalho de espiões ser secreto?
Devine - Quase todas as acções encobertas, acabam eventualmente por se tornar públicas. Muito pouco das acções em que eu estive envolvido são ainda classificadas. Contudo, acredito que as acções encobertas são um instrumento muito importante para a arte de governar. Para além disso, o meu livro foi supervisionado. [pela CIA]
02. Time – o seu principal trabalho em campo era o de recrutamento, que é uma boa maneira de dizer que você comprava pessoas para trair os seus países oferecendo-lhes dinheiro. Como é que você fazia isso?
Devine - Como é que você vende alguma coisa na sua vida? Você tem que oferecer um produto, tem que desenvolver um relacionamento, e nessa relação você tem que ser capaz de identificar os pontos fortes e fracos das pessoas potencialmente compradoras. Então temos de ser capazes de lhe colocar uma questão que as emocione decisivamente: “Vc está disposto a ajudar-me?” – há um sentido de oportunidade e timing nisto. Falando francamente, este método é uma forma de arte.
03. Time – Vc escreveu que na realidade o seu objectivo nos anos 80 era ajudar os mujahedin a expulsar os Russos do Afeganistão. Como essa acção levou à ascenção dos Talibans, pode considerar isso positivo?
Devine – É quase impossível, pelo menos pela minha experiência, 20 anos depois, abarcar por completo as consequências não previsíveis. Apoiei a ideia de tentar manter a nossa (dos Estados Unidos) presença no Afeganistão depois da saída dos Russos. Mas agora penso que se tivéssemos investido 100 milhões de dólares em infraestruturas, isso não teria sido determinante. Não se pode alimentar a democracia à força.
04. Time – Vc também ajudou a desestabilizar o regime de Allende no Chile através de financiamentos e propaganda. Sente-se culpado pelo que aconteceu depois?
Devine – Talvez isso pudesse dizer alguma coisa sobre mim, mas penso que não. A incumbência da CIA (nesse momento) era apoiar a oposição, não era fomentar um golpe. Allende foi derrubado em Setembro de 1973. Por volta de Junho desse ano, a posição da CIA era a de que os militares podiam apoiar o Governo. Quando o (general Augusto) Pinochet chegou ao poder, não fazíamos a menor ideia do que estava para acontecer.
05. Time – Que fez então quando começou a duvidar do objectivo do vosso trabalho?
Devine – O que poderia ter dito é: “olhe, vc sabe que eu gostaria de ter um emprego no Japão”. Mas isso nem sempre funciona. Então temos de estar preparados para dizer: “não fui eu quem fez isto, mas podem transferir-me ou demitir-me”. Eu penso que esta é a chave para a prestação de qualquer bom serviço público.
06. Time – Então, considerando em consciência o procedimento de Edward Snowden, vc pensa que ele deveria ser perdoado.
Devine – Nem pelos sonhos mais inimagináveis. Não intitulei o meu livro de “Boa Caçada” (Good Hunting) ingenuamente, por nada. No meu tempo ele estaria bem destacado na minha lista de potenciais desertores. Ele sabia o que era o sistema, portanto sabia que havia maneiras de trazer um problema ao de cima. Cada desertor tem a sua grande estória, mas no final, quase todas têm habitualmente muitas partes subterrâneas.
07. Time – Esta acção feriu os Estados Unidos de um modo que ainda não está completamente aparente?
Devine – De certeza. E espero que nunca venha a tornar-se aparente. Aquilo a que ele teve acesso não é só apenas aos papéis, mas ao mecanismo que os processa e armazena. Algumas dessas capacidades apareceram na imprensa, e essas devem ser encerradas.
08. Time – Qual é a idade perfeita para dizer a uma criança que alguém é um espião?
Devine – Eu tenho seis filhos. Então tive a chance de praticar. Aos jovens adolescentes de 13, 14 anos é quase perfeito. Nessa idade eles não olham para o mundo de maneira muito complicada. Mais velhos não. Contei à minha filha do meio aos 16 anos, e a sua reacção foi: “o meu pai é um assassino”.
09. Time – E é isso que vc sente que é?
Devine – Decididamente não.
10. Time – Qual é a coisa mais próximo que teve parecida com um sapato-telefone?
Devine – Lembro-me de um director (da CIA) que viu qualquer coisa dessas na série de tv “Get Smart”, virou-se para os pobres técnicos e perguntou-lhes: “porque é que nós não temos uma coisa dessas?”. Na minha primeira comissão no Chile, já livre da pressão dos treinos, deram-me para a mão um contrato a ser pago em dinheiro escrito com tinta invisível. Duas semanas depois o papel ficou branco. No essencial não adianta o uso dos meios de tecnologia sofisticada só por si. Tive de voltar a obter esse contrato escrito e assinado de novo. Os meios usados dão uma noção do porquê não somos uns párias. Temos que ser devidamente recompensados por aquilo que produzimos.
Para aprofundar o tema:
* Devine, fundador do Arkin Group, o organismo que coordena as intervenções dos Estados Unidos no exterior
http://thearkingroup.com/leadership/partners/jack-devine/
* Operações encobertas dos Estados Unidos no Chile: O plano para barrrar Allende começou logo em Setembro de 1970 (aqui)
* The CIA, Drugs, and the Media
* o Historial da CIA
http://www.namebase.org/campus.html
Uma simples mistificação dos economistas da escola neoliberal norte-americana, fazendo tábua rasa da distinção entre o Valor de Uso e o Valor de Troca das mercadorias de Karl Marx em “O Capital” moldou o mundo do pós-guerra tal e qual o conhecemos. Neste sentido, só o Presente é nosso, não o momento passado nem aquele que aguardamos, porque um está destruido, e do outro, se não lutarmos, não sabemos se existirá.
Pesquisar neste blogue
domingo, junho 15, 2014
10 questões colocadas ao ex-agente da CIA Jack Devine
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário