A primeira parte da tetralogia "O Anel dos Nibelungos" de Richard Wagner, "O Ouro do Reno", estreia hoje no Teatro Nacional de São Carlos.
Ilustração de Franz Stassen, Berlim, 1914
Alberich, o elfo negro, despoja o Ouro do seu estado natural através da fundição do Anel. De posse do Anel submete os Nibelungos ao seu poder absoluto; porém o Poder do Anel implica a sua renúncia ao Amor. A renúncia de Alberich é uma espécie de auto -maldição, a destruição da sua própria natureza. A segunda maldição, depois de Wotan lhe ter roubado o anel, acompanhará todos aqueles que doravante possuirem o Anel. Com a maldição e a acção de Alberich começa a destruição da Natureza. (gravura central). A ordem mundial foi violada. As filhas do Rio (o Reno), as criaturas elementares Woglinda, Wellgunda e Flasilda (gravura superior) ficam impedidas de procriar os seus filhos no Tempo.
Erda, a deusa da Terra, desce às profundezas do Mundo, num sono cósmico profundo. (gravura inferior)
"Richard Wagner escreve em "A arte e a revolução", em 1849:«Estamos longe de poder reconhecer na arte dos nossos teatros públicos a verdadeira arte dramática, a obra única, indivisível e grandiosa do espírito humano. O nosso teatro limita-se a fornecer um espaço complicado para uma apresentação atraente de factos cénicos isolados, superficialmente interligados, defeituosamente artísticos ou, para ser mais exacto, artificiosos.» Considerando que a ópera, como espelho da sociedade, se encontra em decadência, Wagner empreende a sua reforma. Pretendendo reaproximar o homem da verdade original, da essência, da qual tinha sido afastado pela sociedade, pela palavra, pela História o compositor encontrará, no conceito de ópera como obra-de-arte-total, inspirado no modelo da tragédia antiga, o veículo privilegiado de aproximação a esse estado primeiro" (do programa do SC)
Wagner foi um revolucionário do seu tempo, comprometido com a 1ª Internacional Socialista, que participou Revolução de Dresden e que foi obrigado a pedir asilo politico na Suiça, mas a informação oficial sobre essas referências é geralmente omitida, em beneficio do grande artista ad-nihilum, sem conotações com a realidade, com os problemas do povo onde se inseriu, muito menos com as analogias que possam porventura ser extrapoláveis para a nossa época, aqui e agora.
Graham Vick, mundialmente famoso pelas encenações de clássicos transpondo-os para ambientes contemporâneos é o responsável pelo "Ouro do Reno" nesta versão do São Carlos em Lisboa, e promete fazer sensação. Razão tem a critica ultraconservadora para "recear o pior",,, que, ainda antes da obra ser estreada, não se têm feito rogada em carpir as previsiveis mágoas.
Realmente as suspeitas são fundamentadas. Só para levantar uma pequena ponta do pano de cena, num teatro completamente transfigurado ( a acção desenrola-se na plateia e os espectadores estão no palco) a peça termina com Wotan, Alberich, Mime e Fricka - os Poderosos cantando o quadro final do alto da magestosa Tribuna Presidencial do Teatro, enquanto do bôjo da plateia se abre uma caverna por onde emerge um missil militar, pronto a ser utilizado - enquanto os elementos do coro, que estavam misturados com os espectadores, cidadãos normais como eles, deambulam atarantados (submetidos).
Num país normal, até para efeito de se rentabilizarem, estas coisas são televisionadas e transmitidas depois para divulgação para o grande público, que não dispõe de condições de acesso aos teatros das elites. Mas no caso, o teatro de São Carlos é patrocinado em exclusivo pelo Millennium BCP- Opus Dei. O que significa que o entendimento destas coisas dificilmente sairá do campo de observação das supracitadas elites. Bilhetes de 25 a 70 euros.(dias 28, 29 e 30 Maio; 1, 2 e 4 Junho) - Lotações Esgotadas.
Encenação - Graham Vick (ver entrevista ao Guardian)
Direcção musical - Emilio Pomàrico
Coreografia - Ron Howell
Cenografia e figurinos - Timothy O'Brien
Graham Vick: "Ninguém é dono de nada, somos apenas guardiães de uma forma de arte. Não se pode pretender conhecê-la melhor que ninguém, ser dono da verdade absoluta, porque a essência da arte é um mistério"
o Elenco:
Wotan - Stefan Ignat ***
Loge - Will Hartmann *****
Fricka - Judith Nemeth ****
Freia - Tatiana Serjan
Erda - Gabriele May ****
Donner - Michael Vier
Froh - Stefan Margita
Alberich - Johann Werner Prein ****
Mime - Peter Keller ***
Fasolt - Keel Watson
Fafner - Friedemann Röhlig
Woglinde - Andrea Dankova
Wellgunde - Dora Rodrigues
Flosshilde - Cornelia Entling
Não cabe neste espaço a apreciação da obra em si, apenas referir que "O Anel de Nibelungo", a que depois do prólogo, se segue "A Valquiria", "Siegrefied" e o "Crepúsculo dos Deuses" é a mais completa e ambiciosa obra da história da ópera, ou até mesmo tida como o ideal wagneriano de "Obra de Arte Total" (Gesamtkunstwerk) correspondente às teorias expressas no ensaio "A Obra de Arte do Futuro" escrita por Wagner cerca de 1850. A tetralogia tem dado origem a diversas interpretações, condensando um potencial inesgotável. Tragédia mítica, alegoria politica e social, drama ecológico onde as forças da Natureza retiradas da sua ordem se vingam e degradam de forma suicida, metáfora do paradoxo que é a lei, história natural do capitalismo (segundo Bernard Shaw), inauguração da utopia,,, "uma outra leitura, presente nos esboços de Wagner, remete para o homem que cresce para uma consciência mais completa de si próprio. Já não necessita dos deuses, vendo-os apenas como expressão e razão para a sua servidão interior e exterior"
para aprofundar o tema:
(ler artigo de Cristina Fernandes no suplemento Mil Folhas de 27/Maio)
* o Castelo de Walhalla numa encenação tradicional - Wotan promete pagar aos Gigantes que o construiram (uma óbvia alusão à classe operária) a deusa Freia, embora nunca tivesse pensado em cumprir a promessa.
* a Musica Erudita, na Wikipédia
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