"Para começar, convém esclarecer que Marx nunca definiu o que fosse uma «classe». Nem ele nem Engels, nem Lenine, nem depois ninguém."
Vasco Pulido Valente
“Latente na prosa de VPV (ver o recorte aqui) está a ideia de que existem no fundo apenas três camadas ou grupos sociais : os ricos, os pobres e a «classe média». Os dois primeiros são facilmente identificáveis. Já a classe média é tudo aquilo que escapa a esta moderna economia da dádiva” observa “rick dangerous” num soberbo post (O impasse reaccionário) publicado no Spectrum, contribuindo de forma brilhante para o destaque d` “o Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem (Engels, 1876). Missão impossível escavar o esqueleto do Vasco da catatumba liberal, mas a tentativa arqueológica é feita convocando Marx:
"E na mesma medida em que se desenvolve a burguesia, isto é o capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos modernos operários, os quais vivem só enquanto têm trabalho e só têm trabalho enquanto o seu trabalho aumentar o capital. Estes operários, que têm de se vender a retalho, são uma mercadoria como qualquer outro artigo de comércio e estão, assim, igualmente sujeitos a todas as vicissitudes da concorrência e a todas as flutuações do mercado." (Manifesto do Partido Comunista, Ed. Avante, Lisboa, 1975, p.67)
“Pois é. Nem Marx nem ninguém. Pode-se evidentemente argumentar que muito mudou desde a data original de redacção deste texto, no já longínquo ano de 1847. A definição em todo o caso está lá e nem é assim tão difícil de compreender. De resto, mudou tudo, mas não mudou grande coisa” conclui o autor. De facto apesar da complexidade introduzida pelo desenvolvimento tecnológico e pela desmesura da propriedade imobiliária nestes 162 anos, nada mudou; e verdade seja dita, Marx escreveu especificamente sobre o conceito de classe; e não é invocando a ausência de traduções em língua portuguesa ("nacionais") que se deve justificar a preguiça de prosseguir pela via do internacionalismo proletário, traduzindo, de onde quer que seja possível, tanto do original, onde o “Arquivo Marxista na Internet” é uma fonte excepcionalmente proficua, como das edições disponíveis em brasileirês.
As Classes
(Karl Marx, Livro III de “O Capital”, tradução do original em inglês no Marxists.Org)
“Os proprietários de mera força de trabalho, os proprietários de capital e os proprietários de terras, os que têm por fonte de receita respectivamente, salário, lucro e renda fundiária, por outras palavras, os assalariados, os capitalistas e os donos de terras, constituem as três grandes classes da sociedade moderna baseada no modo de produção capitalista.
Foi sem dúvida em Inglaterra que a estrutura económica da sociedade moderna classicamente se desenvolveu de modo mais amplo. Não obstante, até aqui a estratificação das classes não nos aparece na sua forma pura. As classes médias e intermédias obscurecem por toda a parte as linhas divisórias (embora incomparavelmente menos nas zonas rurais que nas urbanas). Contudo, este é um factor imaterial para a nossa análise. Temos vindo a observar que a tendência constante da lei de desenvolvimento do modo capitalista de produção é a de cada vez mais e mais separar os meios de produção do trabalho e concentrar cada vez mais e mais os meios de produção dispersos em grupos cada vez maiores, transformando desta forma o trabalho em trabalho assalariado e os meios de produção em capital. E a essa tendência corresponde, por outro lado, o facto da propriedade fundiária, como entidade autónoma, se dissociar do capital e do trabalho (58), ou seja, a conversão de toda a propriedade da terra à condição de terra com proprietários é a forma adequada que corresponde ao modo capitalista de produção.
A primeira questão a dar resposta é esta: O que constitui uma classe? – e a resposta decorre naturalmente da que vier a ser dada à seguinte questão, em concreto: o que faz dos assalariados, dos capitalistas e dos donos de terras, os membros das três grandes classes sociais? À primeira vista – a identidade dos rendimentos e das fontes de rendimento. Existem três grandes grupos sociais cujos membros, os indivíduos que os constituem, vivem de salário, de lucro e de renda fundiária, utilizando respectivamente a força de trabalho, o capital e a propriedade da terra.
Contudo, deste ponto de vista, os médicos e os funcionários públicos, por exemplo, constituíram também duas classes, embora, pertencendo a dois grupos sociais distintos, os membros de cada um destes grupos recebam os seus rendimentos da mesma fonte única. O mesmo será verdade para a infinita fragmentação de interesses e profissões, segundo os quais a divisão do trabalho social separa os trabalhadores bem como os capitalistas e senhores de terras, por exemplo, em donos de vinhedos, de áreas de lavoura, de florestas, de minas, e possuidores de meios pesqueiros”.
(o manuscrito de Marx é interrompido neste ponto. Engels coligiu o material que seria publicado posteriormente em “O Capital Vol. III Part VII, Capitulo LII)
nota no original:
(58) “F. List observa correctamente: “a prevalência de economias auto-suficientes em grandes patrimónios administrados pelos próprios donos demonstra simplesmente um bloqueio à civilização, aos meios de comunicação, comércio e indústrias internas e à prosperidade das cidades. Neste sistema, tudo isto pode ser encontrado por toda a parte, na Rússia, Polónia, Hungria, Mecklenburg. Outrora isto prevalecia também em Inglaterra, mas com o progresso das trocas e do comércio, houve uma ruptura e o sistema foi sendo substituído pelo parcelamento em explorações mais pequenas e pelo arrendamento de terras” (Die Ackerverfassung, die Zwergwirtschaft und die Auswanderung, 1842, p.10.)
Como sabemos, o imperialismo (estudado na teoria de Lenine no principio do século XX) retornaria ao processo de concentração monopolista estendendo-o a partir de então a todo o mundo
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