“Não venham com a cantiga que somos todos responsáveis pela crise porque todos vivemos acima das possibilidades. É responsável quem governou, sacou, delapidou e desviou os dinheiros públicos” (Rui Rangel, CM 17Out.)
A crise nos Estados Unidos que rebentou em 2008 é o produto da excessiva concessão de empréstimos a pessoas que não tinham possibilidades de os pagar…É a saida possível para um regime capitalista que precisa sempre de crescer, ainda que nas formas mais irracionais. Criaram esses créditos a partir do nada aos milhões, de forma fraudulenta, empacotaram-nos e venderam esses titulos na forma de hedge-funds aos bancos de todo o mundo, com especial incidência na União Europeia – é esta a origem da “crise bancária europeia” – segundo John Kenneth Galbraith: “os bancos europeus alavancaram-se para comprar hipotecas tóxicas americanas e quando estas entraram em colapso eles começaram a despejar os seus enfraquecidos títulos soberanos para comprar outros mais fortes, puxando os rendimentos para cima e finalmente forçando toda a periferia europeia para dentro da crise. A Grécia foi simplesmente o primeiro dominó na linha”. De facto a explicação de Galbraith é insuficiente: “os outros títulos mais fortes” foram os instituídos pelo “tarp Money” emitido pela Reserva Federal e literalmente despejado no Banco Central Europeu sobre a forma de empréstimo para que a médio prazo fossem os povos europeus a pagar os prejuízos pela derrocada financeira norta-americana. A Alemanha, território privilegiado pela ocupação militar no pós guerra para a centralização da economia europeia, é de facto apenas um sub-imperialismo, controlado pela emissão da moeda imperial global que é o dólar.
“Em tal crise, continua Galbraith, a primeira defesa dos bancos é mostrar surpresa – "ninguém podia ter sabido! – e culpar os seus clientes por imprudência e trapaça” mas o que aconteceu foi que a restrita plêiade de banqueiros que controla a Reserva Federal e Wall Street semearam empréstimos a taxas irrisoriamente baixas de 1% para no refluxo da crise se fazerem pagar por eles a 6, 7 ou até mais de 10%. Quem lucra? “a subida das taxas de juro das dívidas dos países do Sul da Europa tem sido acompanhada, simultaneamente, pela descida das taxas de juro da dívida alemã. A Alemanha já terá lucrado nos últimos dois anos cerca de 9.000 milhões de euros”, isto é, dinheiro que tem retorno na recuperação do descalabro norte-americano. É por esta razão que o BCE se recusou a resolver a crise de repente o que poderia ter feito através da compra de títulos de países fracos e refinanciá-los. O argumento contra isto é chamado "risco moral" ("moral hazard"), reforçado por velhos temores de inflação, mas a questão real é que fazer isso admitiria a perda de controlo por parte dos credores sobre o Banco Central Europeu. Acções paralelas àquelas tomadas pela Federal Reserva – nacionalizar todo o mercado de papel comercial, por exemplo – afastaria o BCE, muito embora ele compre títulos soberanos quando tem de fazê-lo. Assim, ao contrário, a zona euro avançou na criação de um gigantesco CDO tóxico chamado Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), o qual pode a breve trecho ser transformado num ainda mais gigantesco CDS tóxico. Isto pode adiar o pânico no máximo por uns poucos momentos”, conclui Galbraith.
É neste pano de fundo que surge esta semana a noticia de um manifesto do autodenominado "Comité para a Anulação da Dívida Pública Portuguesa” (cadpp)
Os bancos detentores de títulos tóxicos não conseguem vender os títulos tóxicos e ficam descapitalizados. Então o papel dos governos passou a ser o de garantir a liquidez desses títulos, ou seja, o governo disponibilizou a sua capacidade de endividamento para garantir crédito aos bancos privados. Na medida em que os bancos vão limpando dos seus activos os títulos podres é o Estado quem assume os prejuízos e aparece como “endividado”. O mais importante para o Estado foi garantir a liquidez, devido à possibilidade real de insolvência do sistema bancário privado, mas com esta subtileza, facilmente identificável, o que houve foi uma transferência do sistema de crédito privado insolvente para a esfera pública, quer dizer uma dívida que foi contraída por uma minoria de agentes bancários com a especulação financeira é agora reclamada como dívida a ser paga por todos os cidadãos contribuintes. “Sendo certo que a crise da dívida envolve uma teia financeira internacional o repúdio unilateral da dívida resulta imediatamente dos actos de endividamento odiosos, ilegais ou ilegítimos à face das leis nacionais e internacionais”, concluem os autores do manifesto.
O primeiro passo a dar para a solução da crise deverá ser, no seu entender, “a realização duma auditoria cidadã, acompanhada de suspensão do pagamento da dívida pública e seguida da sua anulação. Graças às insistentes declarações dos poderes instituídos, quer-se passar a ideia que todas as dívidas públicas foram contraídas em nome das populações, mas terá de haver uma auditoria que prove “se essas dívidas reverteram em benefício da população em geral. Se assim não for, (como não é) a dívida é ilegítima – pela mais elementar justiça, não pode caber ao cidadão comum o reembolso de dívidas alheias, contraídas em benefício de interesses particulares”. A auditoria cidadã deve investigar a parte odiosa, ilegal ou ilegítima do endividamento, a qual merece repúdio automático segundo as leis da comunidade internacional. As entidades responsáveis por esses crimes, sejam elas individuais ou colectivas, devem ser postas perante a justiça”
Quanto devemos? porque devemos? a quem devemos? afinal seremos, segundo a perspectiva de trabalhadores ou capitalistas, devedores ou credores? E estarão à espera que se faça uma auditoria incorporando na comissão de auditores alguns dos cúmplices dos ladrões que são coniventes com o colossal furto que está em marcha?
O “Acordo com a Tróica” não passa, quando muito, de um acordo ou tratado internacional, que está subordinado à Constituição da República – a qual não se encontra suspensa – e não pode justificar a supressão ou aniquilamento dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos” (Garcia Pereira)
Uma simples mistificação dos economistas da escola neoliberal norte-americana, fazendo tábua rasa da distinção entre o Valor de Uso e o Valor de Troca das mercadorias de Karl Marx em “O Capital” moldou o mundo do pós-guerra tal e qual o conhecemos. Neste sentido, só o Presente é nosso, não o momento passado nem aquele que aguardamos, porque um está destruido, e do outro, se não lutarmos, não sabemos se existirá.
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3 comentários:
em nota de rodapé para usuários do mozilla, está a passar esta referência:
about:home
Congress is trying to censor the internet. Help Mozilla fight for a free and open web: Get involved today.
Uma pequena nota rectificativa: o texto gera uma certa confusão entre a IAC (Iniciativa por uma Auditoria Cidadã) e o CADPP (Comité para a Anulação da Dívida Pública Portuguesa). No entanto há diferenças de monta entre os dois: a IAC tem afirmado a clara intenção de reestruturar e renegociar a dívida (ou seja, muito resumidamente, pagar o mesmo mas mais devagarinho, num prazo de mais gerações); o CADPP advoga o repúdio unilateral de todas as dívidas ilegítimas, ilegais ou odiosas, e a adopção de políticas que ponham fim definitivo ao processo de endividamento, para que a situação não se repita no futuro. Concordemos que faz uma enorme diferença - à qual acresce o facto de o CADPP não contar entre os seus membros com ex-responsáveis pela estratégia partidária ou ministerial.
http://www.peticaopublica.com/?pi=P2011N7736
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