"A negativa do povo da Islândia em pagar a dívida que as elites abastadas tinham adquirido com a Grã Bretanha e a Holanda gerou muito medo no seio da União Europeia. Prova deste temor foi o absoluto silêncio nos Media sobre o que aconteceu. Nesta pequena nação de 320.000 habitantes a voz da classe política burguesa tem sido substituída pela do povo indignado perante tanto abuso de poder e roubo do dinheiro da classe trabalhadora. O mais admirável é que esta guinada na política sócio-económica islandesa parece ter acontecido de forma pacífica e irrevogável. Uma autêntica revolução contra o poder que conduziu tantos outros países maiores até à crise actual.
Este processo de democratização da vida política que já dura dois anos é um claro exemplo de como é possível que o povo não pague a crise gerada pelos ricos" (texto que acompanha o video no you-tube)
O caso porém é mais complexo. Compreende-se a ansiedade de uma certa esquerda na construção de heroísmos. Mas só a verdade é revolucionária e é ela que, incondicionalmente, deve alicerçar todas as lutas dos povos pela libertação do jugo liberal e neoconservador. O caso islandês foi sem dúvida uma vitória do povo, embora parcial, ao não consentir na nacionalização da dívida dos bancos, porém isso não livrou os islandeses da intervenção do FMI. O facto é que a Islândia não se escapou da crise e de uma enorme carga de trabalhos, apenas para… salvar o capitalismo.
As causas da crise
Três semanas após a falência do Lehman Brothers, a 6 de Outubro de 2008, o então primeiro-ministro islandês, Geir Haarde, anunciou que os três maiores bancos do país, o Kaupthing, Landsbanki e Glitnir, eram incapazes de cumprir os seus compromissos. Estes bancos viriam a falir, causando uma onda de choque para o pequeno país de 320 mil habitantes, e uma das mais graves crises económicas da sua história. Esses bancos, através do banco-online Icesave tinham comprado títulos de alto risco relacionados com o “subprime” que lhes haviam sido propostos por bancos do Reino Unido e da Holanda. Obviamente, o valor desses “papéis” tinha-se evaporado, mas os credores exigiam (e continuam a exigir) o seu reembolso como dívida contraída.
Perante o descalabro os 3 bancos foram nacionalizados, mas o povo, com uma longa tradição democrática, iniciou uma luta que, em referendo popular com maioria de 93%, obrigou o governo a renunciar pagar as dívidas resultantes de actividades especulativas dos bancos privados agora nacionalizados, nomeadamente aos investidores do Reino Unido e da Holanda.
a Islândia desafia a Europa
Seguindo uma politica oposta à que está empenhada a área do Euro, a primeira chave para o sucesso da Islândia foi que Reykjavik "nunca tentou salvar os seus bancos", como observou recentemente o ministro da Indústria, Steingrimur Sigfusson ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung. Os três gigantes bancários, cujos balanços chegaram a acumular 10 vezes o PIB do país, não foram recapitalizados... senão parcialmente. Os credores foram envolvidos desde o início nas negociações. Reykjavik também nunca tentou salvar a posição dos “investidores” estrangeiros que correram um risco, agora no caso os credores da Islândia. Assim, não houve, como em Portugal, na Grécia ou em Espanha, a transferência do risco desses créditos para as finanças públicas. Separou-se as águas, mas a Islândia, não recusou o pagamento integral da sua dívida externa.
Para cumprir esta politica, a Islândia teve porém necessidade de recorrer a um empréstimo do FMI. Como contrapartida foram exigidas as habituais garantias de cortes na economia como avales para o reembolso. Segundo o memorando do FMI «as medidas incluiram os habituais congelamento dos salários nominais ou aumentos de benefícios sociais, uma redução de 5% no orçamento da Saúde, da Educação primária e secundária, cortes nos custos do serviço da polícia, 7,5% de redução nos custos do ensino superior, e uma redução de 9% em custos administrativos gerais (incluindo redução de horas extras , reorganizações e renegociações de contratos laborais»
Como conseguiu a Islândia em quatro anos o "milagre" da recuperação da sua economia?
O pais está praticamente recuperado. Quatro anos depois, a economia islandesa aparece novamente com uma saúde robusta. O PIB, que caiu 6,6% em 2009 e 4% em 2010, deverá crescer 2,1% este ano, bem acima do nível da maioria dos países europeus. O défice orçamental de 13,5% do PIB em 2008 deve voltar a estar equilibrado no próximo ano. O desemprego, que subiu para quase 8% da população activa em 2010 deverá diminuir em 2013 para perto dos 5%. Finalmente, o empréstimo de emergência do FMI no valor de 2.100.000.000 Euros foi pago antecipadamente.
A história da recuperação islandesa certamente não é um conto de fadas. A população ficou traumatizada com os níveis de pobreza e precariedade desconhecidos até então no país. Reykjavik aumentou muito os impostos, incluindo aos empresários, como nenhum outro país da Europa desde 2008. Além disso, o governo social-democrata capitalizou o descontentamento, desmascarando os conservadores em 2009 assacando-lhes a culpa da crise, e a sua credibilidade, a crer nas sondagens, é agora muita baixa. O país também está dividido sobre a questão da adesão à União Europeia e a adopção do Euro, pretendida recentemente pelo Banco Central. É verdade que essa perspectiva, que era muito atraente entre a população há quatro anos, o é muito menos hoje.
Principal factor do sucesso: a desvalorização da Moeda
Mas a verdadeira razão para o sucesso da Islândia, é a desvalorização da Coroa, que chegou a até 70%. Embora esse declínio de dinheiro numa economia tão dependente da inflação externa tivesse provocado quase 18% de aumento nos preços face ao período homólogo em 2009 (atingindo ainda hoje os 4,3%). O crescimento dos salários foi lento entre 2009 e 2010. Mas o declínio da moeda nacional criou as "proporções saudáveis" da economia nacional para beneficiar plenamente da recuperação da economia global. Estes factores são salutares, principalmente na pesca e no turismo (o número de turistas aumentou 16% ano a ano até 2012). São duas receitas que permitiram ao país beneficiar de um superávit em conta corrente forte e consistente. No final, o dinheiro reinvestido na economia está a criar uma espiral no aumento de investimentos.
Pode a Islândia ser considerada um modelo para os países europeus em crise?
Dificilmente. O exíguo número da população permite um controlo de proximidade mais eficaz sobre o seu governo. A dimensão politica do território torna a repetição desta experiência difícil. Mas isso mostra que a forma europeia de se concentrar primeiro nos interesses dos Credores e Bancos privados não é uma alternativa. Também prova que não pode haver experiências de desvalorizações de sucesso ao mesmo tempo que se afirma que a saída do Euro poderia causar a ruína do país em causa.
Por um Governo Patriótico e de Independência Nacional.
O seguidismo em relação à agenda das cúpulas europeias é reprovável. A Europa que têm andado a construir é para implodir, não é para ser remendada. Cada povo deve ser autónomo, livre de directivas desenhadas a partir de cima para baixo. Portugal, ou qualquer outro país ou região, deve ter suficiente independência para decidir o que produz e como produz e em que moldes sócio-politicos-económicos. Portugal não deve, nem submeter-se aos ditames do capital financeiro vindos de Bruxelas e Frankfurt, nem aceitar nunca um papel subalterno na divisão internacional do trabalho que o coloque à margem da produção industrial.
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