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sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Rio das Flores

“Fomos pesá-lo numa simples balança de cozinha – fazia-nos falta este elemento informativo: 900 gramas. Suspense, marketing, quantidade, peso... faltava só verificar o que em literatura parece ser perfeitamente secundário: a qualidade; (...) este romance, que nas palavras do próprio autor se deseja histórico, quando entra por esse caminho, regista um tom de Selecções do Readers Digest (...) é exactamente esta inversão de valores que faz de “Rio das Flores” uma obra menor, tão igual a um qualquer exercício de menino de escola semi-deitado de lado sobre o papel”. Assim considerou Dóris Graça Dias que intitulou a sua crítica literária de "a Redacção"

ai ele (não) é isso?

Henrique Monteiro consulta o rol de facturas recebidas respeitantes a escritos encomendados e decide quais são as que têm dignidade para serem pagas. Não se trata de censura, apenas de uma escolha editorial sobre aquilo que deve ser pago. O resto, excluido porque não convém ao estatuto do núcleo duro de colaboradores do Expresso, não pode ser publicado; nem de borla.
A mesma receita foi sugerida pela crítica: “acho que se ele (Miguel Sousa Tavares) escrevesse o livro sem ter o nome dele, este nunca seria publicado”. Mas, apoiado numa formidável campanha de marketing “Rio das Flores” foi publicado e os espertalhaços editores foram às algibeiras dos alienados consumidores de literatura de cordel com cara de televisão - que compraram, a 29 euros a peça, uma vulgar redacção de aluno do secundário pelo preço de um romance histórico. Como é habitual nas boas peixeiradas à portuguesa, tudo acabou com ameaças de resolução rápida: nos tribunais!; que não os populares que num ápice, alicerçados em fundamentos sérios, fariam a obra estacionar nas livrarias em pilhas até ao tecto.

Concluindo, este retrato do nosso "panorama intelectual" aparece com um sorriso de indulgência sobre o carácter do país falido e da pessoa, ambos contentes com os procedimentos das suas vidas numa complacente mediocridade. Como na novela de Camilo “A Queda de um Anjo”:
“Deixá-lo ser feliz: deixá-lo. Calisto Elói, aquele santo homem lá das serras, o anjo do fragmento paradisíaco do Portugal velho, caiu. Caíu o anjo, e ficou simplesmente o homem, homem como quase todos os outros, e com mais algumas vantagens que o comum dos homens (...) Na qualidade de anjo, Calisto, sem dúvida, seria mais feliz; mas, na qualidade de homem a que o reduziram as paixões, lá se vai concertando menos mal com a sua vida”.

Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino

Queixa das almas jovens censuradas (Natália Correia, 1957)

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