Quando a Revolução Francesa finalmente se estabilizou, o corso Napoleone Buonaparte foi "eleito pelos seus pares" para levar a boa nova do novo sistema social de cidadania a todo o mundo. Seria o Iluminismo que chegava, manu militari a toda a Europa por uma ideia de desenvolvimento continental apoiado nas suas próprias forças; conquanto alguns ainda pensem que restou qualquer herança das Luzes depois da tomada de posse definitiva da Armada imperial de Sua Majestade a Inglaterra na submissão e pilhagem do resto do mundo
14 de Outubro de 1806. No mesmo dia duas batalhas decisivas são travadas. Em Jena, primeiro, e em Auerstadt, logo a seguir, 97.000 soldados napoleónicos derrotam de forma estrondosa os cerca de 130.000 prussianos que combatem às ordens do principe Hohenlohe-Ingelfingen, do duque de Brunswick e do próprio rei Frederico William III.
Enquanto Napoleão varria o campo de batalha de Jena os 60.000 homens de Hohenlohe, graças a uma imbativel combinação de mobilidade, rapidez, audácia e perícia táctica, o marechal Davout, com os seus 27.000 homens, chacinava e punha em debandada, em Auerstadt, os 70.000 prussinas que se lhe opunham. Entretanto, a cavalaria de Murat perseguiria implacavelmente os sobreviventes. Diversas fortalezas foram cercadas e tomadas. Brunswick foi mortalmente atingido, Hohenlohe rendeu-se, e o rei prussiano, depois de tentar sem sucesso retardar o demolidor avanço napoleónico, acabaria por fugir para a Rússia. Napoleão entrou triunfalmente em Berlim a 27 de Outubro.
No rescaldo deste confronto transfigurado em pesadelo, constatou-se que o sistema militar prussiano, que Frederico II, no século anterior, havia dotado de excepcionais qualidades merecedoras de uma invejada reputação, tinha sido despedaçado. Por outro lado, e politicamente, a mais poderosa e muito orgulhosa nação de lingua alemã tinha sido reduzida ao estatuto de uma entidade privada de verdadeira soberania, ocupada e retalhada pelo arqui-rival francês. Em Julho de 1807, Bonaparte obrigaria Frederico William (Guilherme) III a subscrever as vexantes condições do Tratado de Tilsit, que reduziria para metade o território e a população do Estado da Prússia. A outra parte do Tratado celebrado com a Rússia impunha o bloqueio dos portos europeus ao Império Britânico e determinava a abolição da Dinastia da Casa de Bragança em Portugal. Pelo sim pelo não, não fosse o diabo tecê-las, a 27 de Novembro D. João VI escoltado pela Armada Britânica pôs-se em fuga para o Brasil.
Napoleão em Tilsit num quadro de Nicholas Gosse.
Da esquerda para a direita: Talleyrand, Guilherme III
e a rainha da Prússia e o Czar Alexandre da Rússia
as Monarquias Absolutistas mobilizam-se contra as ideias revolucionárias
Passaram sete anos. Estamos agora em Outubro de 1813. Na segunda metade deste ano, a escala rigorosamente devastadora a que as batalhas poderiam ser travadas não tinha ainda paralelo no mundo ocidental. A partir de Agosto, os Aliados – prussianos, russos, austríacos, suecos e britânicos – puseram em marcha um exército colossal, com cerca de 750.000 efectivos, incluindo reservas e guarnições. Napoleão, por seu turno, mobilizou com um esforço prodigioso cerca de 450.000 soldados.
Foi neste contexto que em Leipzig se defrontaram adversários com um formidável potencial de combate. O choque violento que daqui resultou seria, sem dúvida, uma das mais cruciais batalhas das guerras napoleónicas. Quando os primeiros tiros foram disparados, ao alvorecer do dia 16 de Outubro, os campos em redor de Leipzig estavam cobertos de nevoeiro. Com os prussianos a atacar a norte, apoiados pelos russos e pelos austriacos a sul, e com a frente leste tapada pelos suecos de Jean-Baptiste Bernadotte, que com ele trazia alguns britânicos, Napoleão, apesar de tudo, conseguiu manter aberta a sua linha de comunicações e retirada, a oeste, o que lhe permitiu abandonar a cidade no dia 19, depois de contabilizar cerca de 60.000 baixas. O que deixou para trás foi um quadro de desolação, com boa parte dos edificios em chamas, as ruas pejadas de moribundos e armamento abandonado, os subúrbios em rúinas e a saque e, acima de tudo, os ecos de uma esmagadora derrota, talvez a mais brutal e incisiva da sua vida até ao momento.
Irremediavelmente batido pela poderosa máquina militar que os Aliados haviam posto em movimento, o genial e altivo conquistador de tantas nações europeias acabaria por se refugiar em Paris, onde chegaria a 9 de Novembro, para a seguir se dedicar à defesa da integridade territorial francesa. Na madrugada de 31 de Março de 1814 a capital do destroçado império napoleónico capitulou.
o Adeus a Napoleão
a Guerra deixa de ser apenas um assunto da Aristocracia reinante e de profissionais remunerados, para passar a dizer respeito a todo o Povo
Se no final de 1806 tentavam a muito custo libertar-se daquele confrangedor fatalismo que sempre atormenta os povos vencidos e humilhados, no final de 1813 já os prussianos se tinham transformado numa muito eficaz potência militar que impunha respeito pela perseverança dos seus comandantes e pela disciplina táctica das suas tropas. De Jena-Auerstadt a Leipzig um longo e trabalhoso caminho foi percorrido. Mas terá valido a pena na perspectiva histórica das classes dominantes. Salvaram o essencial. O esforço conducente à mobilização, ao treino militar intensivo e à propagação do entusiasmo popular, que os reformadores não deixaram de alimentar, foi particularmente incrementado na primeira metade de 1813. Se em Dezembro de 1812 o exército prussiano não dispunha de mais do que 60.000 efectivos, no Outono de 1813 eram 270.000 os que estavam aptos a servir nos campos de batalha e nas fortalezas. Se sete anos antes o povo considerava que a guerra era um assunto da responsabilidade exclusiva dos militares, agora era com o povo que se criava um número muito maior de forças, recrutando novas milicias e corpos de voluntários.
Na França de homens livres a ideia de acabar com os privilégios da oligarquia e reformar o sistema social tinha partido das bases populares. Nas monarquias Aliadas, perante o perigo da revolução, a necessidade de conceder o minimo de reformas partiu das cúpulas do Poder. Os Aliados, ou seja, as oligarquias europeias, tinham ganho a aposta.
Quando se construiram as Linhas de Torres nesse conturbado periodo compreendido entre 1807 e 1814, foi contra a entrada das ideias da Revolução Francesa em Portugal que elas foram erguidas. Agora, numa época em que os Aliados (revistos e aumentados) bombardeam povos inteiros desarmados, quando in memorium se comemoram os 200 anos da efeméride, é bom saber e lembrar aquilo que de facto se comemora.
(post construido sobre a Introdução de Francisco Abreu aos Principios da Guerra de Carl Von Clausewitz, edições Silabo, 2003)
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