Peter Howson 1989, Cleveland Museum of Art, Ohio
“Continuo ligado à minha primeira convicção, que o Marxismo não é, primeiro que tudo, um “conjunto factual de depoimentos lógicos”, mas é primeiro que tudo “uma atitude intelectual, uma forma de pensar, uma posição filosófica”, onde a validade de cada uma destas questões não depende de qualquer conjunto particular de depoimentos factuais produzidos por Marx, Engels ou Lenine.
Para além da visão do irracional e da natureza dos conflitos produzidos pelo sistema capitalista - o que chegou até nós por Marx foi o resultado dos seus esforços para desmantelar o fetichismo e o nevoeiro ideológico que obscurecem a realidade capitalista – não foi o deslizamento para a agitação, que acaba por se refutar por ela própria, por factos como a mudança de caracteristicas e causas das depressões e do desemprego, ou até da manifesta essência do progressivo empobrecimento da classe operária.
Todos estes factos provam que o factor irracional do capitalismo assume formas diferentes em períodos históricos diferentes; e é por isso que é incumbência dos Marxistas de hoje apelararem infatigavelmente para o método de demonstração e análise contra a irracionalidade das áreas ou caminhos em que ela se manifesta, combatendo-a mais duramente que o tempo que ela pode levar a desencadear os seus efeitos... O que é central, na minha opinião, é a capacidade e a voluntariedade de olhar para trás, para os factos observáveis imediatamente anteriores e ver neles a árvore do futuro com os seus fugazes ramos que meramente são perceptiveis no presente. É a combinação da visão histórica com a coragem de imaginar a utopia – com a visão severamente disciplinada pela análise das tendências discerníveis no tempo presente, e com a utopia clarificada pela concreta identificação das forças sociais que estão talvez expectantes para prosseguir a sua realização” (Paul Baran, Monthly Review, Setembro de 1959)
Quantas personas-votantes em partidos que se apresentam como sendo de esquerda terão conhecimento das teorias sobre autonomismo que têm vindo a emergir depois da queda da experiência prática do “comunismo” na ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas? - poucos ou nenhuns, se atendermos a que quem tem capacidades intelectuais para se lançar pelos caminhos ínvios do abandono do centralismo democrático, abandonou também a cooperativa ideológica que dá pelo nome de PCP. Mas a imensa maioria dos que se pensam como comunistas ficou, acrescentada pelo afluxo de novos militantes que o desencanto pela degradação actual provoca. E permanecem como membros de uma estrutura que advoga o centralismo porque pensam que não possuem competências-habilis como individuos para construir algo apenas per si, antes sentem que o que está certo é integrar-se e delegar no colectivo, liderado pelos mais habilitados, a execução das suas vontades pessoais. Tendo em vista a experiência soviética, (1) o que se acrescentaria seria a necessidade de adicionar à prática um ponto importante adquirido pela filosofia de Mao Tse Tung: ninguém está seguro em definitivo depois de eleito para um cargo; os componentes do grupo que concertaram a eleição dos melhores para cargos de direcção, têm também a possibilidade de os destituirem a qualquer momento, mal um quorum aceitável pressinta que eles se desviaram do cumprimento do programa para que foram eleitos.
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Chegados a este porto, da integração ou pulverização dos movimentos sociais, onde estão ancorados os intelectuais urbanos do Bloco de Esquerda, como poderá haver concertação entre militantes das esquerdas, se um filósofo de uma corrente autonomista de peso como Cornelius Castoriadis tem um discurso onde mete todas as hipóteses de “comunismo” num saco único? - como se não existissem mais possibilidades ou não tivesse havido uma bifurcação importante no VIIº Congresso da III Internacional quando a URSS seguindo a tese de Giorgi Dimitrov optou pelo “socialismo num só país” e concertou de seguida uma espécie de “tratado de tordesilhas” entre as potências (secretamente negociado por Estaline) cumprindo para si a Europa Oriental e abandonando os movimentos comunistas da Europa Ocidental à sorte determinada pelos algozes dos aparelhos repressivos das suas classe dominantes.Comunismo, Fascismo e Emancipação
(Cornelius Castoriadis, 1991)
“O comunismo e o fascismo não são precisamente duas maneiras, ainda que monstruosas em extremo, de resolver os problemas da época moderna. Os dois destroem as sociedades das quais se apoderam e não podem durar mais tempo do que aquele por que pode manter-se a sua combinação de mentira e de terror (...) Nos dois casos a distinção entre o público e o privado é abolida, a esfera privada de cada cidadão é absorvida pelo poder, e a própria esfera pública se torna “propriedade privada” e secreta do grupo dominante (hipótese desmontada em (1)
Em termos aproximativos, o nazismo diz aquilo que faz e faz aquilo que diz. O comunismo está condenado a dizer uma coisa e a fazer o contrário: fala de democracia e instaura a tirania, proclama a igualdade e realiza a desigualdade, invoca a ciência e a verdade e pratica a mentira e o absurdo. É por isso que perde muito rapidamente a sua influência entre as populações que domina.
O próprio facto de comparar nazismo e comunismo (pag 299 de “Uma Sociedade à Deriva) é uma estratégia abusiva e intelectualmente aviltante uma vez que ignora as circunstâncias históricas em que cada um dos movimentos se desenvolveu. Porém ficou a pergunta feita na entrevista ao Unitá: “O comunismo legou para a nossa época uma utopia progressista ou reaccionária? Que herança nos deixou?
“O comunismo realizado representou um monstruoso desvio do movimento operário revolucionário. Pôs no poder uma nova classe dominante, a burocracia do Partido-Estado que explorou e oprimiu a população como o não pode fazer qualquer outro regime conhecido da história; porque nenhum outro regime dispunha de meios técnicos e ideológicos de terror, de intervenção na vida quotidiana das pessoas, de manipulação ideológica comparáveis. Destruiu o movimento operário dos restantes paises, subordinando-o à politica imperialista da Rússia”. (Hipótese desmontada em (2), ignora também a diferença entre trocas em igualdade de valor que presidiam entre a URSS e os parceiros comerciais, quando comparadas com o sistema de trocas desiguais que permanece no imperialismo ocidental imposto ás colónias e que se prolonga no pós-colonialismo)
Já ouvimos Francisco Louçã afirmar que a ideia que a sociedade se desenvolve por impulsos pré-determinados que influem na história não foi dos melhores legados deixados por Marx. Mas é precisamente na compreensão do “materialismo histórico” (3) que reside a chave para a desmontagem do problema da educação alienada das massas sujeitas ao contínuo bombardeamento da propaganda anti-comunista.
(3) «O capitalismo – contrariamente ao que muitos apregoam hoje – não é a restauração de um pretenso “estado natural” da economia, reconduzida assim ao seu figurino originário e eterno. O capitalismo tem uma história, e não está imune às transformações que, na história, hão-de conduzir para além do quadro estrito que teima em enclausurar a produção e a reprodução do viver humano»
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