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quinta-feira, julho 15, 2010

A Democracia e os Mercados na Nova Ordem Mundial

Anthony Lake, conselheiro para a Segurança Nacional formulou em 1993 a doutrina Clinton nestes termos: “Durante a Guerra Fria a nossa tarefa foi conter a ameaça global contra as democracias de mercado; agora trata-se de ampliar o respectivo alcance”

Noam Chomsky, 1994, Universidade de Duke

No mundo real, a democracia, os mercados e os direitos humanos são alvo de um sério ataque em grande parte do planeta, incluindo as democracias industriais de ponta. Mais ainda, a mais poderosa de entre elas – os Estados Unidosé quem conduz o ataque. No mundo real, os Estados Unidos nunca promoveram os mercados livres, desde a sua fundação até à era Reagan, que por sua vez veio estabelecer novos padrões de proteccionismo e de intervenção estatal na economia, contrariamente às inúmeras ilusões que esxistem sobre este assunto.

A crise social e económica global é vulgarmente atribuida às inexoráveis forças de mercado. A partir daí os analistas dividem-se quanto ao grau de participação de diferentes factores, sobretudo dois, o comércio internacional e a automação. Toda esta visão é consideravelmente enganadora. Para dar uma aparência de eficiência ao comércio externo sempre foi necessária – e continua a ser – uma enorme intervenção estatal e os respectivos subsidios (isto, não falando já nos custos ecológicos que são impostos às gerações futuras, que não “votaram” no mercado, e outros aspectos tidos por factores “externos” e que fazem objecto de notas de rodapé).

Para mencionar apenas uma pequena distorção de mercado, boa parte do orçamento do Pentágono foi aplicada em “assegurar o fluxo de petróleo a preços razoáveis”, a partir do Médio Oriente, que é “esmagadoramente a reserva dos Estados Unidos”, observa de passagem numa revista académica Phebe Marr, membro da Universidade de Defesa Nacional. Trata-se de uma contribuição para a “eficácia do comércio” que raramente merece atenção. Veja-se o que se passa com o segundo factor, a automação. A partir de um certo nivel é certo que contribui para os lucros; mas esse nivel de desenvolvimento da automação foi alcançado à custa de décadas de proteccionismo dentro do sector do Estado – a indústria militar – como demonstrou David Noble num importante estudo. Mas para além disso Noble mostra também que a escolha de uma forma especifica de automação foi muitas vezes comandada por opções de poder e não tanto por objectivos de lucro ou de eficácia; eram modelos de automação concebidos para desqualificar os operários e subordiná-los à gestão, não por principios de mercado ou pela natureza da tecnologia, mas por razões de dominação e controlo.




















E o mesmo se passa num âmbito mais geral. (Note-se que continuamos em 1994). Na imprensa dedicada aos negócios surgem informações de funcionários superiores das empresas que admitem que uma das principais razões para desviar postos de trabalho para o estrangeiro, mesmo para paises onde os salários são bastante mais altos, é facilitar a vida às empresas na guerra de classes. Segundo a explicação dada por um gestor da Gillette Corporation : “Preocupa-nos que um produto seja feito num só sítio”, sobretudo por causa dos “problemas laborais”. E acrescenta que, se os trabalhadores de Boston entrassem em greve, a Gillette estaria em condições de fornecer quer o mercado europeu quer o mercado norte americano a partir da fábrica que tem em Berlim, derrotando a greve. Assim, faz todo o sentido que a Gillette empregue três vezes mais trabalhadores no estrangeiro do que nos Estados Unidos, sem olhar aos custos, e por razões que não se prendem com a eficácia económica. De modo idêntico, a Caterpillar, (uma empresa de ponta de capitais israelitas), apostada em destruir os últimos vestígios de sindicalismo na indústria, está a levar a cabo “uma estratégia empresarial que tem empurrado lentamente os trabalhadores norte americanos de uma posição de desafio para uma atitude de aceitação”, nas palavras do correspondente económico James Tyson. A estratégia passa por “produzir em unidades mais baratas colocadas no estrangeiro” e “apostar em importações de fábricas no Brasil, no Japão e na Europa”. E é facilitada pelos lucros colossais, à medida que a politica de segurança social vai sendo mobilizada para enriquecer os poderosos, pela contratação a prazo ou de “trabalhadores de substituição permanente”, violando os padrões internacionais do trabalho, e pela cumplicidade de um Estado criminoso que se recusa a reforçar as leis laborais, posição elevada à categoria de princípio pelos Reaganistas. O verdadeiro significado da “estratégia conservadora da liberalização dos mercados” fica à vista se observarmos um pouco melhor o que se passa com os maiores entusiastas da ideia de “menos Estado”, os que defendem que “o Governo tem de deixar de andar em cima de nós”

Sob o título “Deve ser do Calor”, escreve Rui Tavares: “Sócrates pode declarar-se progressista e querer governar com Paulo Portas; antineoliberal e negociar com Passos Coelho; keynesiano e não dar nenhuma abébia à esquerda” – então é apenas aos investimentos do Estado como capitalista, como advogou Lorde Keynes há 60 anos atrás, aquilo a que aqueles que se imaginam como “a esquerda” se podem permitir aspirar agora, verdade?

nota: os excertos do discurso de Chomsky são citados a partir da tradução portuguesa editada pela Antígona
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