“O bisavô do Euro é o Plano Marshall, que reforçou a cooperação europeia”, afirmou recentemente Jacinto Nunes, ex-governador do Banco de Portugal (um intocável do tempo de Salazar) (1), na cerimónia que teve lugar na Fundação Luso Americana (FLAD) no aniversário dos 60 anos “do que se pode considerar o lançamento do Programa de Recuperação da Europa”.
A assistência financeira da banca norte americana com novos investimentos em 16 paises europeus (para além dos chorudos retornos em juros e lucros que nunca são mencionados na propaganda) “tinha como objectivo aumentar a produtividade, reforçando por esta via o nível de vida, caminho considerado essencial para evitar tensões sociais que criassem tentações revolucionárias com alinhamentos à URSS”
Descoberto o mistério de polichinelo de que o anticomunismo é o fantasma real que sempre tem guiado a política ocidental, salte-se umas décadas por cima da Guerra Fria até ao presente mais recente, o da emissão efectiva da moeda única europeia: quando o Euro foi lançado em 2001 uma vulgar carcaça custava 2 tostões; hoje custa 30 escudos. Da criação de mais valias aumentando os custos de produção, numa espécie de espiral inflacionária eterna, vive o sistema capitalista, atropelando tudo e todos em nome do sacrossanto sistema financeiro. (é urgente que cada um investigue por si quem detém os poderes de decisão que gerem os bancos centrais, que são de natureza privada, e se disponham a agir em conformidade no momento em que votam)
Que Europa, e em particular que Portugal temos então hoje? Paulo Ferreira em editorial no Público (12/3) explica: “os excessos financeiros têm os seus custos; o crédito está mais dificil e mais caro. Os desiquilibrios serão certamente corrigidos, nem que seja à custa de uma recessão”. E tudo isto porquê? “porque o país tem vivido acima das suas possibilidades”. Mas de que país se fala? O dos salários minimos, do trabalho precário, das empresas deslocalizadas que remetem milhares para as esmolas do fundo de desemprego ou para a emigração de mão de obra desqualificada e não raro escrava? – ou o das remunerações principescas dos gestores da banca, suportadas por lucros excessivos, crédito fácil para especular em bolsa ou reformas douradas dos gestores públicos e privados? a perplexidade que deixa neste parágrafo cinco pontos de interrogação, pede um último: porque têm uns, muitos, de pagar os escandalosos privilégios de outros, poucos?
Gilles Lipovetsky na “Era do Vazio” (2) teorizou sobre o problema mais geral da coesão social na actual época de mutação originada pela diversificação dos modos de vida, pela desagregação da sociedade, dos costumes, a emergência de um modo de individualização inédito e do modelo de socialização dos prejuizos do sistema fazendo-os distribuir equitativamente pela colectividade como um todo, o aliciamento publicitário do individuo contemporâneo para o consumo de massa, enfim, a nova forma de controlo dos comportamentos. A pensar certamente nisto, Durão Barroso, noutra página da mesma edição do jornal, afirma que os “consumidores estão mais fortes numa Europa mais próspera” deixando o aviso: “mesmo as empresas mais poderosas não poderão ignorar a opinião daqueles que as mantêm em funcionamento”
E é do consumo da produção “das maiores empresas mundiais” que vos quero falar, no 5º aniversário da invasão do Iraque, uma triste efeméride que protestamos no próximo sábado dia 15. Como escaparam essas “empresas mais poderosas” à crise latente que assola os Estados Unidos desde o crash da economia virtual de 2001 e a emergência da catástrofe Bush? Despejando e esturrando literalmente milhões em material de guerra sobre dois paises – significa que existem “consumidores” que consomem compulsivamente bombas e balas sem o seu acordo, produção essa que deveria ser urgentemente ilegalizada. Para finalmente e de uma vez por todas, pôr um fim à crise, cujo custo, não o esqueçamos, é pago por todos nós. Exagero?
O núcleo duro das 10 maiores empresas mundiais, certamente o verdadeiro coração que bombeia a vida pelas veias da economia global (em 1.Samuel.25 a Vida está no sangue, o coração é o orgão que a bombeia; e a Lei do coração é a aniquilação dos menos aptos Levi 17.14) – ultrapassando a lei da concorrência, actuam em regime de cartel, desprezando a insignificante “sociedade civil” e sobrevalorizando a componente militar (3), de facto o verdadeiro motor do capitalismo contemporâneo que já não se funda na produção mas principalmente na destruição, sendo ambas as componentes habilmente conjugadas e a sua compreensão ocultada das opiniões públicas. Chega-se até ao desplante do apelo ao negócio, pedindo o alistamento de voluntários para engrossar as fileiras dos exércitos mercenários contra inimigos criados artificialmente.
Nesta encruzilhada, “os direitos do homem são simples extensões particulares de um direito único, o de sobreviver com o único fim de trabalhar para a sobrevivência de uma economia totalitária, que se impôs falaciosamente como único meio de subsistência da espécie humana” (4) E esta situação apela a uma viragem histórica – justamente ao contrário do que diz Barroso – mesmo as empresas mais poderosas não poderão ignorar que não as queremos em funcionamento para este tipo de produção; não como consumidores, fazemos essa exigência na qualidade de cidadãos!
(1) salazarismo: ver na Revista Atlântico (sem link)
(2) Gilles Lipovetsky "A Era do Vazio", Ensaio Sobre o Individualismo Contemporâneo", Ediç. Antropos, 1983
(3) A expressão "Complexo Industrial Militar" foi cunhada no discurso do Presidente Dwight D. Eisenhower de despedida à nação em 1961
(4) in Declaração Universal dos Direitos do Ser Humano, Raoul Vaneigem, Edit. Antígona, 2003
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