o Maio de 68 não é um produto exclusivo made-in-Paris
Uma das reacções mais interessantes das que sobreviveram a 1968 foi a primeira comunicação da Comissão Trilateral, uma organização criada por Nelson Rockefeller integrando empresários globais, banqueiros, altos executivos de administrações politicas, ideólogos e teóricos da nova direita e dirigentes sindicais de marcado timbre anti-comunista, onde se refere “uma crise da democracia” devido à excessiva participação das massas. Os documentos do Pentágono que têm vindo a ser desclassificados traduzem a mensagem que, por medo do crescente mal estar dos cidadãos, o Governo se viu obrigado a pôr fim à guerra. Eles não estavam seguros que pudessem dispor de tropas suficientes para enviar para o Vietname e ao mesmo tempo reprimir os distúrbios na frente doméstica.
O mundo dos anos 60 é aquele que nasceu na segunda grande guerra mundial. Caracterizava-se pela rivalidade entre aquilo a que se chamou inapropriadamente os dois blocos: “o capitalista” e “o socialista” – quando na verdade a divisão dos despojos de guerra e a encenação subsquente, “a guerra fria”, havia sido prévia e minuciosamente concertada nas 14 cimeiras havidas entre Churchill (o império inglês em declínio), Estaline (o controlo estatal da produção capitalista) e Roosevelt (o capitalismo tout-court). Na verdade tratou-se de dividir a Europa derrotada ao meio: de um lado o Leste na órbita da URSS, do outro a parte ocidental cuja jurisdisção fica a cargo da colonização anglo-americana. Mas havia a França e o gaullismo que tinha a sua própria ideia sobre “descolonização”, a politica da "françafrique". (Mitterrand viria a ordenar uma intervenção do exército francês em 1994 apoiando o governo dos coronéis Hutus no Ruanda, que haveriam de proceder ao genocídio da facção oposta). Como é hoje evidente, a verdadeira guerra sem quartel tinha-se centrado na confrontação entre os países ricos do Norte e o hemisfério Sul dos países subdesenvolvidos, eufemisticamente baptizados como “países em vias de desenvolvimento”. Estas designações são totalmente impróprias para uns e outros: destinam-se a ocultar as relações de trocas desiguais impostas entre o centro e a periferia no sistema capitalista mundial.
Em 1964 Che Guevara discursava na ONU (coisa hoje impensável para qualquer representante de Esquerda), e defendia a exportação da revolução "Criemos um, dois, três, muitos Vietnames". O apelo parece resultar. Em 1968 sob o olhar atónito dos Situacionistas, Guy Debord vê desenhar-se "a revolução da vida quotidiana", Mick Jagger, participa numa manifestação em Londres contra a guerra do Vietname: "cause in sleepy London town theres just no place for a street fighting men" que se converte num hino da contestação. O surrealista Jean Paul Sartre, um admirador confesso da Revolução Cultural Chinesa (futuro director do jornal maoísta "Cause du Peuple") é recebido entusiasticamente na Sorbonne ocupada; John Lennon junta um milhão de manifestantes em Central Park e Nixon abre-lhe ficha no FBI. Revolução falhada ou movimento utópico (portanto inofensivo) olhado hoje com simpática nostalgia, a face folclórica do Maio 68 destinou-se a aniquilar aquele estado de coisas. O neoliberalismo, e o actual estado de coisas, não teria sido possível sem ele.
Uma das figuras mais emblemáticas que demonstra a verdadeira natureza do Maio 68 é Bernard Kouchner, na óptica burguesa ele fez o pleno: expulso do PCF, expulso do PS, apoiou a intervenção americana no Iraque e é actualmente ministro dos Negócios Estrangeiros de Nicolas Sarkozy – mas se uns estão aí, os outros também estão. Estaremos!
Dominique Grange : "1968-2008”… N’effacez pas nos traces !"
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