Quando as manifestações e as greves começaram a incomodar a população com falhas no abastecimento de víveres e combustíveis e a desordem aparente parecia começar a gerar o fim de um modelo capitalista e o inicio de uma nova ordem, o General De Gaulle desapareceu durante uma semana, reuniu na Alemanha com o Estado Maior da Nato que lhe prometeu todo o apoio e regressou a Paris – no dia 28 de Maio tinha uma grande manifestação na rua com cerca de 800 mil pessoas reclamando Ordem, dispostas a acabar com a “chienlite” – na gíria típica do General qualquer coisa traduzível como
“a malta-que-come-e-caga-na-cama”
“Uns jovens interessantes, embora um tanto ou quanto estouvados, erguendo barricadas e lançando pedras à polícia em nome de ideias generosas mas completamente impraticáveis” - eis como o Maio de 1968 tem sido frequentemente apresentado na avalanche de artigos e conferências que celebram os quarenta anos passados sobre o acontecimento. Muitos comentadores simpatizam com esse movimento na medida em que o consideram utópico e, portanto, inofensivo. Simpatizam mais ainda quando só vêem estudantes envolvidos, cujos protestos e desordens não punham directamente em perigo a base económica do sistema. Mas Maio de 68 não foi um movimento utópico, foi um movimento derrotado - o que é uma coisa completamente diferente. Durante a fase inicial, restrita ao meio estudantil, a questão da exploração dos trabalhadores parecia ser determinante; vejamos uma sinopse dos acontecimentos,
Os estudantes liderados por Cohn-Bendit, ocupam, a 22 de Março de 1968, os serviços administrativos em protesto contra a prisão de activistas anti-guerra do Vietname. Começou assim o “Movimento 22 de Março”, uma das organizações mais expressivas da época, composta fundamentalmente por maoistas e libertários (frequentemente também por “katangueses”, estranhos que se infiltravam em comícios e manifs com o objectivo de as fazer degenerar em cenas de violência), proclamando num panfleto a 4 de Maio: «Nós batemo-nos […] porque recusamos tornar-nos: - professores ao serviço da selecção no ensino, selecção feita à custa dos filhos da classe operária, - sociólogos fabricantes de slogans para as campanhas eleitorais governamentais, - psicólogos encarregados de fazer “funcionar” as “equipas de trabalhadores” segundo os interesses superiores dos patrões, - cientistas cujo trabalho de pesquisa será utilizado de acordo com os interesses exclusivos de uma economia de lucro. […] Recusamo-nos a melhorar a universidade burguesa. Queremos transformá-la radicalmente para que de agora em diante ela forme intelectuais que lutem ao lado dos trabalhadores e não contra eles […] Queremos que os interesses da classe operária sejam defendidos também na universidade».
Num panfleto emitido a 6 de Maio, o Movimento do 22 de Março afirmou que «os estudantes utilizam de agora em diante os métodos de luta dos sectores mais combativos da classe operária». A data evocada neste panfleto, 13 de Maio, marcou uma ampliação decisiva do movimento, porque começou nesse dia a maior greve geral da história da França, que chegou a mobilizar entre 9 e 10 milhões de grevistas.
A greve geral
Estava convocada para 13 de Maio uma manifestação que reuniu cerca de um milhão de pessoas, a maior realizada até então em Paris, onde se operou a junção entre estudantes e trabalhadores. À frente ia uma faixa proclamando «Estudantes, professores, trabalhadores solidários», e o facto mais significativo é que esta faixa só pôde encabeçar o cortejo depois de várias escaramuças entre os estudantes e os dirigentes da Confederação Geral do Trabalho (CGT), a maior central sindical, hegemonizada pelo Partido Comunista, que era francamente oposto à luta estudantil e a qualquer tentativa de aproximação entre estudantes e trabalhadores.
Durante esta manifestação a CGT tentou enquadrar os trabalhadores e impedi-los de contactarem com os estudantes, mas não o conseguiu e os estudantes inseriram-se no cortejo operário. Estava anunciado o tema das semanas seguintes, porque enquanto durou a greve geral os estudantes tentaram repetidamente ligar-se aos trabalhadores na acção prática e os dirigentes da CGT fizeram tudo o que podiam para impedir essa convergência.
A 16 de Maio cerca de mil estudantes dirigiram-se às grandes fábricas Renault de Billancourt, que se haviam juntado à greve, e a CGT opôs-se ao contacto dos estudantes com os operários com o curioso argumento de que «recusamos qualquer ingerência externa». A solidariedade era apelidada de «ingerência». No dia seguinte numerosos estudantes regressaram à Renault-Billancourt, e de novo a CGT os impediu de conviver com os grevistas. Esta obstrução não fez desistir os estudantes mais radicais, que continuaram a procurar a ligação com as empresas em luta. A Moção Política Geral aprovada na Assembleia Geral realizada na Sorbonne a 20 de Maio considerou «que o objectivo político é o derrube do regime pelos trabalhadores e que a ocupação [das Faculdades] deve ser realizada nesse quadro político; que, com efeito, o ensino só corresponderá às necessidades da população quando esta tiver realmente derrubado o poder capitalista; que não podendo a remodelação da universidade ser concebida fora deste quadro, ela não deve, por conseguinte, ser prosseguida somente pelas pessoas que aí trabalham hoje, mas pelo conjunto dos trabalhadores» e concluiu recordando que «a tarefa essencial dos estudantes é ligarem-se ao combate da classe operária contra o regime».
Nesta perspectiva, a 31 de Maio um comunicado da Coordenação dos Comités de Acção, um organismo estudantil de base, insistiu: «A nossa força reside nas ocupações de fábrica». E a 1 de Junho um comunicado da UNEF incitou os estudantes a dirigirem-se às fábricas em greve da Renault e da Citroën. Em 6 de Junho 4000 polícias fortemente armados ocuparam as fábricas Renault em Flins e expulsaram os piquetes de greve. No dia seguinte numerosos estudantes mobilizados pela UJCm-l e pelo Movimento do 22 de Março foram apoiar os piquetes estacionados nas ruas e estradas de acesso às fábricas. A central sindical CGT denunciou então os bandos «organizados militarmente» que «intervieram» em Flins, referindo-se não aos polícias mas aos estudantes.
Por fim, os movimentos de extrema esquerda seriam ilegalizados em França, e o Partido Comunista perdeu a força eleitoral, degenerando no híbrido "euro-comunismo", até se converter politicamente num resíduo não reciclável. (continua)
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