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Bush estafou o par de botas texano
Alex Callinicos:
A leitura que Negri faz de Marx implica de facto uma reescrita sistemática de algumas das suas posições chave. Três exemplos:
(1) a lei da tendência de queda da taxa de juro - esta teoria é a base da teoria de Marx da crise capitalista. Porém para Negri, aqui fiel ao seu passado “operário”, o desenvolvimento do modo de produção capitalista está reduzido ao conflito directo entre capital e trabalho. Assim afirma que “a tendência de queda da taxa de juro indica a rebelião do trabalho vivo contra o poder da acumulação de juros”. Negri sabe perfeitamente que Marx, no volume III de “O Capital” faz desta tendência uma consequência da acumulação competitiva do capital, que leva os capitalistas a investir muito mais nos meios de produção do que na força de trabalho, causando assim uma queda das taxas de juro (porque o trabalho é a única fonte da criação de mais valias e riqueza), porém afirma que quando se conceptualiza nestes termos “toda a relação capital-trabalho será deslocada para o nível económico e impropriamente objectivizada”.
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Esta é uma passagem surpreendente. O que Marx realmente disse no volume I de “O Capital” é precisamente o oposto: “calculada matematicamente, a taxa de acumulação é a variável independente, não a dependente; a taxa de salários é a variável dependente, não a independente". Os salários são a variável dependente relativamente à acumulação de capital, porque os capitalistas, pelo seu controlo da taxa de investimento, também determinam a taxa de desemprego. Quando são confrontados com trabalhadores militantes, podem mudar a relação de forças entre classes a seu favor, organizando a paragem dos investimentos aumentando portanto o desemprego. Os trabalhadores, face à ameaça de despedimento, caem debaixo da pressão de aceitar salários mais baixos e de forma mais geral um aumento da taxa de exploração. Isto é precisamente o que vem a acontecer nos paises do débil capitalismo europeu desde a década de 70 - (cujo corolário de desinvestimento no trabalho se revelam agora como consequências sociais na presente crise)
A transformação feita por Negri do trabalho num tipo de sujeito absoluto tem reflexos na sua teoria da crise. Afirma que “a lei de queda da taxa de juro deriva do facto que o trabalho necessário é uma quantidade rígida"– o mesmo é dizer que, quando os capitalistas procuram reduzir a porção de trabalho necessário (requerido para reproduzir a força de trabalho na jornada laboral), e portanto aumenta a taxa de exploração, encontram “uma força com cada vez menos vontade de ser sujeitada, e menos disposta a ser comprimida”. Esta resistência obstinada significa “a autonomia da classe operária dentro do desenvolvimento do capital”.
Ora bem, Marx não é Deus. Não há nada sagrado nas suas teorias, e portanto não é nenhum crime revê-las. As perguntas interessantes têm que ver com a direcção das revisões de Negri e, se nos permitem ou não compreender efectivamente melhor o mundo contemporâneo. Críticamente Negri procura transformar o marxismo numa teoria do Poder. Assim afirma que “a relação capitalista é imediatamente um relação de poder” Dá uma importância especial ao facto que os “Grundrisse” (em português "Rascunhos" compilados tendo em vista a escrita de "O Capital" e apenas publicados em 1941) começam com uma extensa discussão sobre o dinheiro. Mas só a partir deste ponto Marx avança “da crítica do dinheiro para a crítica do poder”
(publicado originalmente em "Revolta Global.Net")
(3) ver também: "Teses sobre a não-centralidade do Trabalho"
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