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segunda-feira, outubro 20, 2008

Doc Lisboa 2008 (IV) We

“Nós” (Wo Men) de Huang Wenhai



















A maior trampa jamais vista nas seis edições que leva o DocLisboa. Pegar num objecto destes e ainda por cima admiti-lo ao concurso oficial é no mínimo indigno. É chato, comprido (cerca de 2 horas), monocórdico, de retórica profundamente reaccionária. Na China é socialmente ultrajante uma pessoa viver dependente a expensas do Estado - pegando na frase promocional: “quando estão em causa os interesses do Estado, não podemos ficar sentados à espera” o que faz o autor Huang Wenhai? – filma diálogos intermináveis, a roçar o monólogo, câmara fixa nunca entre mais de meia dúzia de figurantes avulso – ora este tipo de abordagem num país com uma população de 1,3 biliões de pessoas soa no mínimo a ridículo.
A trama ficcionada no documentário, segundo a ênfase manipulada pelo Ocidente, gira em volta dos suspeitos temas do costume: as sistemáticas violações dos direitos humanos, a liberdade religiosa, a ausência de liberdade de expressão para os que adorariam o desmantelamento definitivo das estruturas do Estado nascido da Revolução Popular Democrática de 1949, a Censura, o Partido como ente do povo que se sobrepõe à Constituição segundo os cânones estrangeiros, etc.

Com objectivos marcadamente políticos a curto prazo, estamos longe do brilhantismo de Jia Zhang-Ke em “Natureza Morta”, um digno vencedor do Leão de Ouro em Veneza em 2006, onde se projectavam na actual China em mutação os dramas íntimos das personagens no que elas contariam por menos nos grandes planos do regime que actua sobre a sociedade – graças às grandes obras (a Time designou-as por "A Curta Marcha" por contraste com "A Longa Marcha" dos tempos de Mao) milhões de pessoas migram para os modernos subúrbios das cidades (todas as escolas são a menos de 10 minutos a pé de casa) escapando-se às limitações de um ancestral mundo rural onde as vidas de sacrifício das populações se tornaram obsoletas. Esta é a maior migração na história da humanidade e mudará definitivamente a nação (e por extensão, devido à sua importância, o mundo).
Huang Wenhai, produtor e realizador independente nascido1971 na província de Hunan, formado pelo “Film College” em 2001, co-produziu e realizou “Nós” em 2008 a meias com a suiça Helen Cui; porém, como veremos e se tornará evidente, é abusivo situá-lo como uma produção China-Suiça.

















O leit-motiv gira em torno de Li Rui, “uma personagem sensível” por ter ocupado o “importante” cargo (!pasme-se!) de secretário pessoal de Mao Tsé Tung (1893-1976) – e alguns dissidentes tentam envolvê-lo na eventual (e praticamente inexistente) contestação interna, o que Li Rui discretamente recusa. Vive num arejado apartamento num boulevard de Pequim com sofás em pele, escreve e publica pequenos ensaios na internet, sítio onde tem cerca de 100 visitas diárias (não pode ter muitas, notam-lhe os amigos dissidentes, “senão facham-lhe o site”) e isto, aos 84 anos de idade basta-lhe. Estamos em pleno reino do humor: este vosso insignificante escriba, duas ou três vezes por semana, tem cerca de 300 visitas diárias; e o petit Portugal está a anos-luz de ter o número de utilizadores de internet da China.
Da liberdade religiosa e da falta de permissão para associações como a seita FaluGong estamos conversados; é igualmente ridícula a reunião de 1 dúzia de católicos em torno de uma mesa numa degradada barraca para rezar o padre nosso sob as ordens de um jovem místico, o blogger Ye Huo, que acredita na vida eterna – é normal que se regresse às retrógadas crendices medievais que Marx criticou no século XIX quando disse que “a religião é o ópio do povo”? – para além de não se proibir as reuniões, qual é a representatidade dos cristãos na China, um Estado oficialmente ateísta? Segundo a CiaWorldFactBook é 3 e picos por cento, possivelmente menos percentualmente que o clube de fãs do Michael Carreira. O que é que queriam? um santuário de Fátima em Xangai?

Huang Wenhai é definitivamente apanhado quando anexa ao documentário imagens de arquivo de uma manifestação pretensamente anti-comunista no distante ano de 1989 que contestava localmente o mau governo de uma pequena cidade – “abaixo o governador, abaixo a corrupção! Sigam as directivas do Comité Central” gritam os activistas; ora esta frase é omitida, não é traduzida do original nas legendas transcritas para o português.
Enfim, se é de (ausência) de representatividade que se fala e das inexoráveis leis do mercado capitalista selvagem de que tantas vezes a China é acusada – como se pagam obras estranhas como este ensaio sobre “Nós” (“Eles”, os chineses)? – tanto mais incomodativo quanto o realizador Wenhai com esta merda obteve uma não menos estranha “menção honrosa” na secção “Novos Horizontes” da Bienal de Veneza. Como sempre, a “contestação interna” na China tem origem a partir do exterior – uma breve investigação é reveladora e não consta do currículo cinéfilo oficial de Huang Wenhai: uma fast-graduação na Universidade de Paderborn (Alemanha) em “novas tecnologias de comunicação e as suas aplicações artisticas nas transformações das sociedades”. O curso, e futuros subsídios para o exercício da actividade, são pagos por uma grupo económico (o CIE) que gravita em torno da universidade, que selecciona alunos de reconhecido mérito entre os escassos 7 por cento dos participantes estrangeiros. Wenhai é o terceiro a contar da esquerda; o primeiro é o vice presidente e Director Financeiro (for Strategy, Finance and International Relations) Dr. Dr. Bernd Frick.

As estratégias dos programas CIE (Center for International Economics) centram-se em 6 campos: Desenvolvimento e Crescimento Global, Empresas Multinacionais, Instituições Internacionais e Economias Públicas Internacionais, Tomadas de Decisão e Jogos de Decisão, Estudos e Métodos Empíricos e Contribuições para os Debates Políticos Públicos – Como se pode deduzir os pseudos interesses “democráticos” são outros: como diz hoje Rui Tavares no Público, “nos últimos anos transferimos grande parte da capacidade produtiva mundial para um regime que parece estável mas que é sobretudo opaco” – é este ponto, levando em atenção a destruição da formação profissional entre nós, que está a causar engulhos à “livre iniciativa” dos investidores financeiros ocidentais: a existência de uma forma de organização social superior (no caso sob a égide do partido comunista) que não funciona segundo a lógica do lucro
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