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A maior trampa jamais vista nas seis edições que leva o DocLisboa. Pegar num objecto destes e ainda por cima admiti-lo ao concurso oficial é no mínimo indigno. É chato, comprido (cerca de 2 horas), monocórdico, de retórica profundamente reaccionária. Na China é socialmente ultrajante uma pessoa viver dependente a expensas do Estado - pegando na frase promocional: “quando estão em causa os interesses do Estado, não podemos ficar sentados à espera” o que faz o autor Huang Wenhai? – filma diálogos intermináveis, a roçar o monólogo, câmara fixa nunca entre mais de meia dúzia de figurantes avulso – ora este tipo de abordagem num país com uma população de 1,3 biliões de pessoas soa no mínimo a ridículo.
A trama ficcionada no documentário, segundo a ênfase manipulada pelo Ocidente, gira em volta dos suspeitos temas do costume: as sistemáticas violações dos direitos humanos, a liberdade religiosa, a ausência de liberdade de expressão para os que adorariam o desmantelamento definitivo das estruturas do Estado nascido da Revolução Popular Democrática de 1949, a Censura, o Partido como ente do povo que se sobrepõe à Constituição segundo os cânones estrangeiros, etc.
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Huang Wenhai, produtor e realizador independente nascido1971 na província de Hunan, formado pelo “Film College” em 2001, co-produziu e realizou “Nós” em 2008 a meias com a suiça Helen Cui; porém, como veremos e se tornará evidente, é abusivo situá-lo como uma produção China-Suiça.
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O leit-motiv gira em torno de Li Rui, “uma personagem sensível” por ter ocupado o “importante” cargo (!pasme-se!) de secretário pessoal de Mao Tsé Tung (1893-1976) – e alguns dissidentes tentam envolvê-lo na eventual (e praticamente inexistente) contestação interna, o que Li Rui discretamente recusa. Vive num arejado apartamento num boulevard de Pequim com sofás em pele, escreve e publica pequenos ensaios na internet, sítio onde tem cerca de 100 visitas diárias (não pode ter muitas, notam-lhe os amigos dissidentes, “senão facham-lhe o site”) e isto, aos 84 anos de idade basta-lhe. Estamos em pleno reino do humor: este vosso insignificante escriba, duas ou três vezes por semana, tem cerca de 300 visitas diárias; e o petit Portugal está a anos-luz de ter o número de utilizadores de internet da China.
Da liberdade religiosa e da falta de permissão para associações como a seita FaluGong estamos conversados; é igualmente ridícula a reunião de 1 dúzia de católicos em torno de uma mesa numa degradada barraca para rezar o padre nosso sob as ordens de um jovem místico, o blogger Ye Huo, que acredita na vida eterna – é normal que se regresse às retrógadas crendices medievais que Marx criticou no século XIX quando disse que “a religião é o ópio do povo”? – para além de não se proibir as reuniões, qual é a representatidade dos cristãos na China, um Estado oficialmente ateísta? Segundo a CiaWorldFactBook é 3 e picos por cento, possivelmente menos percentualmente que o clube de fãs do Michael Carreira. O que é que queriam? um santuário de Fátima em Xangai?
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Enfim, se é de (ausência) de representatividade que se fala e das inexoráveis leis do mercado capitalista selvagem de que tantas vezes a China é acusada – como se pagam obras estranhas como este ensaio sobre “Nós” (“Eles”, os chineses)? – tanto mais incomodativo quanto o realizador Wenhai com esta merda obteve uma não menos estranha “menção honrosa” na secção “Novos Horizontes” da Bienal de Veneza. Como sempre, a “contestação interna” na China tem origem a partir do exterior – uma breve investigação é reveladora e não consta do currículo cinéfilo oficial de Huang Wenhai: uma fast-graduação na Universidade de Paderborn (Alemanha) em “novas tecnologias de comunicação e as suas aplicações artisticas nas transformações das sociedades”. O curso, e futuros subsídios para o exercício da actividade, são pagos por uma grupo económico (o CIE) que gravita em torno da universidade, que selecciona alunos de reconhecido mérito entre os escassos 7 por cento dos participantes estrangeiros. Wenhai é o terceiro a contar da esquerda; o primeiro é o vice presidente e Director Financeiro (for Strategy, Finance and International Relations) Dr. Dr. Bernd Frick.
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