
O Segredo da Rua do Século
Ligações perigosas de um dirigente judeu com a Alemanha Nazi (1935-1939), um livro de António Louçã e Isabelle Paccaud, Edit. Fim de Século

“O embaixador alemão em Lisboa, o Barão Oswald von Hoyningen-Huene pede às autoridades de Berlim, em carta datada de 19 de Fevereiro de 1935, que Moses Bensabat Amzalak seja distinguido, pelo seu trabalho a favor da Alemanha Nazi, com a Cruz de Mérito de Primeira Classe da Cruz Vermelha Alemã. Nesta data, a colossal organização, com mais de um milhão e meio de filiados, encontra-se já completamente sob o controlo do partido nazi e directamente subordinada ao Ministério do Interior do Reich”.
A primeira razão para a condecoração que virá a ser atribuida é o papel politico determinante enquanto proprietário do jornal O Século, um dos mais lidos no país, “que tem influido a favor de uma atitude pró-germanófila nazi”. O número especial, dedicado à Alemanha, de 18 de Fevereiro de 1935, que teve repercussões internacionais, é a prova dessa dedicação e de compromissos que até hoje permanecem na obscuridade. A 8 de Fevereiro de 1937, dois anos depois de ser agraciado, Amzalak confirma a aceitação da medalha, solicitando uma cópia da sua Cruz de Mérito, que lhe é enviada pela legação alemã com as seguintes palavras: “Permita-me que lhe envie em anexo a miniatura, pedindo-lhe que a aceite como recordação da nossa colaboração”
“Em 1939, Moses Amzalak deixa definitivamente O Século. Cerca de 40 anos mais tarde, a publicação do diário será suspensa. Na sua última edição, de 17 de Fevereiro de 1977, são entrevistadas várias pessoas ligadas à história do jornal, entre os quais o dirigente judeu. Evocando aqueles anos, ele não hesita em gabar o carácter independente e profundamente republicano de O Século no período em que esteve à sua frente. Assim, ele recorda que “o jornal, durante o tempo em que foi seu administrador, das nove da manhã até às tantas, nunca esteve subordinado a nenhum grupo, quer político, quer financeiro, e uma das razões do seu êxito foi “manter intransigentemente as tradições republicanas”. Amzalak afirma também ter sido por razões de saúde que, pouco antes da Segunda Guerra Mundial, teve de deixar O Século, com a morte na alma. Finalmente, e sempre na mesma entrevista, o ainda presidente da Comunidade Israelita de Lisboa considera sobre o período passado à frente de O Século: “os melhores anos da minha vida passei-os lá”.
Zweig, na sua breve passagem por Lisboa, residirá temporariamente na casa do próprio Amzalak, mas obviamente sem lhe ter transmitido a sua repulsa contra o nazismo ou a sua amargura sobre aquela “meia noite do século”. O escritor procurará a morte alguns anos depois, por se sentir impotente perante a barbárie hitleriana, que marca esta época a ferro e fogo. Quanto ao dirigente judeu, 40 anos mais tarde ainda guardará essa mesma época na memória como “os melhores anos da [sua] vida”
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