1. Inquisição Espanhola. Em Toledo, capital do reino de Castela, os reis católicos Fernando e Isabel em finais de Abril de 1492 mandam apregoar que "todos os judeus e muçulmanos que ao presente moram nestes reinos os abandonem, sob pena de morte e confisco dos bens.
A data coincide com a tomada de Granada aos Mouros. Muitos judeus e outros semitas foragidos de Espanha instalam-se em grande número em Portugal, depois de autorização expressa de D. João II, na condição de pagarem o "arabiado" um imposto que revertia para a Coroa: as famílias mais abastadas pagavam 60 mil cruzados de ouro, e todos os outros oito cruzados por cabeça e mais 50 cruzados por ano, quantia reduzida a metade para obreiros, ferreiros e alfagres que queiram estabelecer-se definitivamente no país. Todos os outros só poderão demorar-se oito meses, prometendo o rei que lhes proporcionará navios para, por preços justos, os levarem aos lugares que escolherem".
Em Julho de 1492, por todas as fronteiras estão a entrar multidões; mais de 300 por Bragança; de Zamora chegam a Miranda do Douro mais de 30 mil; de Badajoz para Évora cerca de 10.000. Entre os foragidos grassa a peste e a população das terras por onde passam fecha-lhes as portas e persegue-os. Os judeus (apenas eles?) estão em grandes dificuldades em sair de Portugal para o norte de África, porque não existem embarcações suficientes. Os capitães dos barcos exigem preços exorbitantes e fala-se muito da violência que alguns deles exercem sobre os imigrantes. A maioria da diáspora judio-árabe-semita oriunda da Peninsula Ibérica (Al-Andaluz para os muçulmanos, Sefarad para os judeus), acabam por se fixar uns no Norte de África, outros em Tessalonika e em Amsterdão, onde prosperaram.
Em Fevereiro de 1496 é publicada em Leiria a tradução do castelhano do “Almanach Perpetuum” de Abraão Zacuto que iria facultar aos marinheiros o uso das tábuas solares quadrienais, “o que muito facilita a orientação nas viagens”
Em Dezembro de 1496 os Reis Católicos impõem, como condição para o casamento da Infanta D. Isabel de Castela com D. Manuel, a expulsão definitiva dos judeus e dos muçulmanos (ambas etnias semitas) do Reino de Portugal. Desde 1249, a data da conquista de Tavira e da expulsão definitiva dos Mouros do reino, muitos converteram-se ao cristianismo e tinham ficado: são os chamados Mouriscos. Não existia, até então, qualquer vestigio de "anti-semitismo" (uma expressão criativa moderna),
antes consentimento na integração e um problema religioso - a afirmação da fé cristã perante a Reforma de Martin Lutero (1483-1546) que começava a ser empreendida no Norte da Europa (Todo mundo é de todo mundo, ninguém tem de pagar nada pela vida) - e foi assim que as autoridades católicas começaram a queimar heréticos protestantes.
2. Longe de Toledo, cumprindo o destino bíblico: O Pogrom de Évora.
No Domingo de Páscoa de 1497 o rei ordenou que fossem retirados às famílias dos "cristãos novos" os filhos menores de 14 anos, para serem distribuidos pelas cidades e vilas do Reino e educados na fé cristã. Para evitar que "os judeus" tivessem tempo para esconder as crianças a ordem foi cumprida no próprio dia e assistiu-se a cenas comoventes, romanceadas depois pelo judeu Meyer Kayserling (1829-1905) que re-escreveu deste modo os acontecimentos: “As justiças do rei retiram retiram os filhos de judeus de suas casas e obrigam-nos a receber o sacramento do baptismo. O que então aconteceu, não foi somente dilacerante para os judeus mas também para os cristãos assombro e admiração; pois nenhum ser admite e suporta que mão humana lhe arranque seus filhos e se tal sucede a outrem todos sentem, por compaixão natural, a mesma dor. Aconteceu então que muitos cristãos, levados por piedade, abrigavam e escondiam em suas casas os perseguidos. Os pais, levados ao desespero, vagavam como dementes, as mães resistiam como leoas".
Muitos preferiam matar os filhos com as próprias mãos. “Vi com os meus próprios olhos diz o probo Coutinho, bispo de Silves, como muitos foram arrastados pelos cabelos à pia baptismal” Isac Ibn Zachin, um homem erudito oriundo de Toledo, cujo nome não distingue árabes de judeus que sempre tinham convivido em paz, matou os filhos e suicidou-se. Aos que restaram, convertidos à força, não tardou que o povo lhes começasse a chamar “cristãos novos”
3. Em 1506 acontece o alegado “massacre de judeus” em Lisboa, quando estes já tinham sido expulsos há uma década, e os que ficaram se reconheciam de facto como cristãos-novos, ou marranos. O episódio vem referido por João de Barros, na “Crónica do Sereníssimo Senhor Rei D. Manuel”. Décadas depois o historiador Damião de Góis divulgou a sua versão do acontecido, provavelmente considerada errada pelo Poder - o discipulo de Erasmo de Roterdão, o diplomata que correu toda a Europa e conviveu com os grandes, o músico, o coleccionador de arte, o escritor, o humanista de alta estirpe e larguíssima visão cosmopolita, levou uma pancada na cabeça e morreu cruelmente em casa caindo sobre o lume da lareira. Tinha saído recentemente da prisão no Mosteiro da Batalha. Corria o ano de 1574. Mas vejamos o que tinha acontecido entretanto,
4. Em 1516 os banqueiros “alemães” iniciam negócios em Portugal
Jacob Fugger, riquíssimo banqueiro alemão assenta feitoria em Lisboa. O rei precisa atrair capitais estrangeiros para financiar as armadas. Por isso concedeu grandes privilégios, especialmente aos banqueiros alemães (por mero acaso este que veio era judeu, o mesmo que pôs de pé o Sacro Império Romano de MaximilianoI da Casa de Habsburg, de onde descendem a Casa dos Bourbons de Espanha e os Orléans-Braganza. It`s a small world indeed). Portugal isentou-os, entre outras coisas, de pagar impostos pelo dinheiro importado. Só pagam dízima pelo cobre, mercúrio, pólvora, alcatrão, mercadorias necessárias ao comércio africano e à navegação da Índia. Por outro lado, interessa aos mercadores estrangeiros abastecerem-se em Lisboa das especiarias, em boas condições, para as distribuirem pela Europa.
os Banqueiros do Reino
A propósito do poder e influência dos Fuggers escreve António de Beatis no seu "Diário de Viagem": “Os Fuggers, são os maiores mercadores da cristandade. Sem ajuda de ninguém, podem dar trezentos mil ducados, sem perderem nada da sua fortuna. Esta fortuna proveio de empréstimos feitos aos bispados e abadias e das minas de ouro e prata que obtiveram, durante vários anos, do imperador e do rei da Hungria, por baixo preço. Estas minas empregam dez mil mineiros alemães e húngaros. Também em Augsburgo (onde se encontra o palácio dos Fuggers, um dos mais belos da Alemanha) está instalada a família Welser, pessoas agradáveis que pertencem também à aristocracia da cidade. São grandes comerciantes, que mantêm relações com Portugal mas sem comparação com os Fuggers. Os interesses dos grandes financeiros alemães não se limitam à Europa Central. Passam também por Lisboa”. (pag. 195,“Diário da História de Portugal”)
Notável a forma como a estes emigrantes ricos o estigma da etnia judaica como que desapareceu. Mas a riqueza acumulada pelos judeus é considerada por muitos historiadores o principal motivo da instalação da Inquisição.
4. Em 1536 o Papa Paulo III concede a Bula que erige canonicamente o Tribunal da Inquisição. O Rei mandou pedir ao Sumo Pontífice que nomeasse Inquisidor-Mor o Infante D. Henrique, Arcebispo de Évora (O mesmo mentor da trágica Páscoa de 1497). Alguns politicos afectos ao Rei consideram necessária a actividade deste Tribunal, para perseguir os numerosos cristãos-novos que continuam secretamente a judaizar (isto é, a emprestar dinheiro com juros usurários, quando a usura é um dos sete pecados capitais do cristianismo). O objectivo, de facto, é confiscar as fortunas desse poderosos empresários, para assim fazer face ao crescente défice do Estado.
As despesas com as armadas do Oriente, com a sempre crescente pressão dos mouros no Norte de África, com os prejuizos resultantes da pirataria francesa e holandesa, e com o cada vez mais numeroso pessoal desta Corte, não encontram contrapartida nas receitas públicas. Em 1525 foi votada uma contribuição voluntária, pelos povos, de 150.000 cruzados. E em 1535 outra de 100.000 cruzados. Mas as dificuldades não cessam de afligir os tesoureiros do rei. Os mais optimistas pensam que as grandes riquezas acumuladas pelos cristãos-novos vão resolver a situação. Em 1540 é decretada a Censura; o Inquisidor-Mor Infante D. Henrique ordenou que não seja publicado nenhum livro sem autorização do Santo Ofício. Agentes da Inquisição vistoriam casas e naus e apreendem todos os livros que consideram suspeitos. Em todos os autos-de-fé, além dos réus queimados, são entregues às chamas caixotes de livros considerados heréticos.
5. No mesmo ano chegaram ao reino Simão de Azevedo como bolseiro do rei, e o nobre Francisco Jasso de Xavier em Navarra. Estudaram em Paris onde se graduaram em Artes e pertencem à Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola. Organizada com disciplina militar, a Ordem dos Jesuitas seria um dos mais operacionais instrumentos da nova ordem da Contra-Reforma. No ano da graça de 2008, o espírito de Navarra, o secular atraso obscurantista da Europa do Sul, ainda hoje perdura, na Opus Dei e na “universidade” navarrina onde o General Eanes se “doutorou” recentemente. Os banqueiros judeus, globalizados pelo modo do “novo mundo”, por empresas como a Goldman Sachs, também continuam activos: a devolução à procedência do nº2, António Borges, é apenas a devolução à origem da parte portuguesa na crise financeira internacional.
6. Lagos 20 de Agosto de 1574, o ano da morte de Damião de Góis. O rei enviou a seguinte carta a todos os nobres portugueses: “Eu El-Rei, vos envio muito saudar. Cheguei a este reino do Algarve, e conformando-me com as ocasiões dos tempos e procedendo nos intentos, práticas e resoluções passadas sobre as matérias de África, assentei ir-me à cidade de Ceuta e dela à de Tânger, tanto que chegar gente com que me pareça que o devo fazer. Pelo que vos encomendo muito e vos mando que logo que tanto esta virdes, vos venhais a Tavira com todos os cavalos que puderdes ajuntar logo sem dilação, deixando ordem para virem após vós todos os mais com que puderdes servir. E tanto por mais certo que na brevidade e em tudo o mais, procedereis como de vós espero. Assinado, El-Rei”
Há inquietação geral perante estes projectos guerreiros, numa fase de grande depressão económica. Há quem pergunte: se os portugueses mal chegam para suster o império do Oriente, como irão ganhar um império em Marrocos? – perguntem à Banca quais são os interesses que a movem.
"Não me receio de Castela/ De onde guerra não soa/ Tenho medo por Lisboa/ Onde ao cheiro desta canela/ o reino se despovoa"
Sá de Miranda
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